A POLITICA E NICOLAU MAQUIAVEL
POR: Fabiano Alves
de Assis
O presente artigo visa investigar o novo
sentido que a tese de Maquiavel[1] veio dar à política moderna. De modo
analítico e crítico, vamos desenvolver nosso trabalho com a intenção de apontar
as novidades trazidas por Maquiavel para o campo das ciências políticas e
traçar um breve paralelo entre o que Maquiavel pensou e o que é feito da
política atual. De modo sucinto, e passando brevemente pela política grega,
mais especificamente em Platão e Aristóteles, desenvolveremos o tema da ciência
política surgida a partir de Maquiavel.
DA
ANTIGUIDADE À MODERNIDADE
Desde Platão e Aristóteles, constata-se que
a política se dava na polis, girando em torno do bem comum. Para ser político,
a pessoa deveria ser bem dotada, virtuosa e instruída. Dizia-se também que para
ser político dever-se-ia ter certo grau de instrução de modo que a pessoa mais
apta para governar seria o filósofo, surgindo a ideia do rei-filósofo. Podemos
perceber em Platão que o bem coletivo, ou seja, a manutenção do Estado deve ser
buscada pelos homens: “Platão acha-a (justificação da sociedade e do estado) na
própria natureza humana, porquanto cada homem precisa do auxílio material e
moral dos outros” (PADOVANI; CASTAGNOLA, 1961, p.68). E com Aristóteles, a ótica platônica de
coletividade é retomada. Para ele, a política vem a ser uma “doutrina moral
social” (PADOVANI; CASTAGNOLA, 1961, p. 81).
“A política, contudo, é distinta da moral, porquanto esta tem como
objeto o indivíduo, aquela a coletividade. A ética é a doutrina moral
individual, a política é a doutrina moral social.” (PADOVANI; CASTAGNOLA, 1961,
p. 81).
Já a
partir de Maquiavel, há uma mudança de perspectiva para a política, ela será
vista por outro ângulo, deslocada para um novo campo reflexivo. O filósofo
italiano nos ensina que outros modos de se fazer política são possíveis e até
mais rentosos para aquele que a esta atividade se dedica. Transfere-se o foco da política do bem comum,
ou da arte de governar para outro plano de reflexão, mostrando-nos como os
políticos-governantes devem se comportar, a partir dos ideais que Maquiavel
pensa para o príncipe que deveria surgir em seu tempo e assumir o poder.
Maquiavel inovou o modo de fazer política,
mostrando que há uma disparidade no que a filosofia antiga falava sobre o tema
e sobre o que de fato era o sistema com sua ciência política, mudando o
paradigma iniciada na polis grega. A obra O príncipe, nos deixa claro que o
desejo do filósofo não é o de fazer especulações sobre política, mas sim criar
um guia prático, que a partir do empirismo ensina que, se preciso, o governante
deve transgredir a moral para se manter no poder. Na verdade, ele firma um
tratado sobre o modo de fazer política. A democracia grega em sua matriz não
ensina que política deve ser feita a partir demagogia. Ensina que política é a
arte de governar a polis – termo utilizado para designar a cidade grega, como
vemos em Aristóteles e Platão. Maquiavel faz uma análise do que deu certo e dos
modelos que não deram certos. Grande conhecedor de como funciona a psicologia
humana no âmbito da política, egoísta e ambiciosa, faz uma leitura realista do
homem. Evidenciando que os fins justificam os meios surgindo assim o conceito
“maquiavélico”. Maquiavel fala que se o povo está rebelde, cabe ao governante
fazer alguns atos de crueldade para que o povo veja quem é o governante, mas
também não pode ser cruel demais. “O príncipe deve saber servir-se da natureza
do animal, deve entre eles tirar as qualidades da raposa (estratégia e
esperteza) e do leão (força, domínio, coragem)”. (MAQUIAVEL, 1983, p.73).
A partir da realidade em que vivia e experenciava,
Maquiavel trabalha uma problemática: questiona como é possível constituir um
Estado. Não leva em consideração os
valores transcendentais, tais como os valores éticos, religiosos e espirituais
trazendo a discussão para um campo próprio de discussão, criando seus próprio
métodos. Na verdade, Maquiavel não nega esses valores, mas sim afirma que esses
valores devem ser subordinados ao estado. Ou contribuem para o bem do estado,
ou serão subordinados a ele.
O fim último é o estado, a que tudo deve
ser subordinado, tanto os indivíduos como todos os valores, até os morais e
religiosos. Indivíduos e valores devem servir unicamente como instrumentos de
governo, e podem ser aniquilados pelo estado. (PADOVANI; CASTAGNOLA, 1961, p.
218).
É por isso que podemos observar que se
necessário, o príncipe poderá transgredir a moral em favor de se manter no
poder. Maquiavel vê no homem sua faceta pessimista: a partir da observação do
homem como ser egoísta e ambicioso. Desta forma, Maquiavel traça sua ciência
política de forma utilitarista. E é desta ciência política e percepção de
Maquiavel que surge o dito popular “os fins justificam os meios”, pois segundo
ele, se o fato de o príncipe ter certas atitudes que pode vir a constranger o
povo, se for em razão de manter um governo, se torna justificável.
Portanto, dizer que a ciência política de
Maquiavel é imoral, se levado em consideração que a moral pode ser transgredida
em razão do poder, torna-se verídico. Mas mostra fielmente o proceder do homem
em relação ao poder.
O estado é ético, possui suas normas e
convenções. E à natureza do homem, a constituição de um estado é indispensável.
E é a partir da eticidade do Estado e da natureza racional do homem que se
compreende a comparação deste com o leão e com a raposa, ou seja, unir força
com esperteza.
A
POLÍTICA NOS DIAS DE HOJE
Comparando o sistema político maquiavélico
com a realidade hodierna, vemos que a situação não mudou muito. Muitos se
assustam ao entrar em contato com o “maquiavelismo” expresso na obra O
príncipe, mas o modo de governar hoje, a astúcia dos candidatos e governantes,
o jogo político, as alianças, o modo que o povo é tratado, tudo isso parece ser
uma implementação do que pensou Maquiavel há séculos atrás. Fica evidente tal
situação nas convenções partidárias promíscuas nos períodos eleitorais e nos
casos de corrupção no exercício do governo. Os ditadores Saddam Hussein no
Iraque, Kadafi na Líbia e Kim Jon-um, filho do ex-ditador norte coreano Kim
Jong-il, são exemplos atuais de domínio do poder tal como Maquiavel já
observava na renascença. Também observamos o empenho para se manter no poder,
sobretudo econômico, com a política externa dos Estados Unidos. Observamos
também a aplicabilidade nas políticas externas e internas dos países: Venezuela
com o presidente Hugo Chaves, Bolívia com o presidente Evo Morales, Cuba com o
presidente Raúl Castro. Com isso, vê-se
que o pensamento de Maquiavel é válido e de fato ele fez uma “fotografia” de
para onde caminhava a política.
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Maquiavel pode ser às vezes criticado por
sua ciência politica, devido ao modo como expõe os meios de que se deva valer
os seres humanos para se manterem no poder e as maneiras para se adquirirem
súditos. Mas ele é realista ao tratar da ambição e do egoísmo humano no tocante
ao poder. Sua obra, quer agrade ou quer desagrade, tem seu mérito por ser fruto
de uma pesquisa, de um trabalho intenso e que revolucionou uma corrente de
pensamento:
Resta examinar agora como deve um príncipe
comportar-se com os seus súditos e seus amigos. Como sei que muita gente já
escreveu a respeito desta matéria, duvido que não seja considerado presunçoso
proponho-me examiná-la também, tanto mais quanto, ao tratar deste assunto, não
me afastarei grandemente dos princípios estabelecidos pelos outros. Todavia,
como é meu intento escrever coisa útil para os que se interessarem, pareceu-me
mais conveniente procurar a verdade pelo efeito das coisas, do que pelo que
delas se possa imaginar. (MAQUIAVEL, 1983, p. 62).
A obra de Maquiavel vem a lume, em um
momento em que as nações se organizavam politicamente. As potências europeias
deixavam o sistema feudal e adotava o absolutismo, formando e constituindo os
estados nacionais e centrando-os na pessoa do rei. “O regime político mais
característico da Idade Moderna foi a monarquia absoluta. Nele, os monarcas não
tinham limites para o seu poder”( RAMOS, s.d, p. 14). Sobretudo pela forma como
eram governadas as nações que se constituíam centradas nesta perspectiva do
reinado “A frase atribuída a ele (Luis XIV), ‘L’ État c’ est moi’ (‘ o Estado
sou eu’)” (RAMOS, s. d, p. ). Seu pensamento é válido e muito eficaz para
aquele momento. É muito mais fácil fazer o percurso pelo qual trilhou Maquiavel
“Procurar a verdade pelo efeito das coisas” (MAQUIAVEL, 1983, p. 62), do que um
esclarecimento de âmbito racional de “maquiar” a realidade, o que consideramos
ser uma perda para a humanidade. Discutir se o modo maquiavélico de se
fazer política é moral ou amoral não vem
ao caso neste momento. Para o campo científico de investigação e pesquisa do
pensamento, vemos que sua teoria foi completamente nova, em vista do que já se
havia pensado e produzido sobre o tema abordado na obra e neste artigo. E se
sua teoria pode ser vista aplicada ainda hoje, é sinal que o ser humano não
deixou de ser egoísta e ambicioso. É ainda mais um indicativo que sendo
valorado pela atual sociedade ou não, seu método traz algo de particular e
eficaz, em razão de se vê-lo sendo utilizado ainda hoje. “Maquiavel retratou a política
tal qual era e não como deveria ser. Foi o primeiro cientista político da
história e escritor que melhor descreveu a sua época.” ( RAMOS, s.d, p. 28).
Referências
MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe: Escritos
Políticos. Tradução Lívio Xavier. 3. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983.
PADOVANI, H.; CASTAGNOLA, L. História da
Filosofia. 4. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1961.
RAMOS, Luciano. História Moderna e
Contemporânea. São Paulo: Companhia editora nacional, s.d.
REALE, G.; ANTISERI, D. História da
Filosofia 3: do humanismo a Descartes. São Paulo: Paulus, 2004.
______. História da Filosofia 4: de Spinoza
a Kant. São Paulo: Paulus, 2005.
[1] “Nicolau Machiavelli nasceu em Florença
em 1469. Foi secretário e historiador da república florentina. Destituído e
exilado, voltou ainda à pátria, chamado pelos amigos. Faleceu em 1527, obscuro
e abandonado. Entre seus escritos têm particular interesse filosófico Il
Príncipe e os Discorsi sopra la prima deca di Tito Livio.” (PADOVANI, H;
CASTAGNOLA, L. 1961, p. 218).
FONTE: http://pensamentoextemporaneo.com.br/?p=2174
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