terça-feira, 27 de junho de 2017

ESCOLA E CONTRATUALISMO

ESCOLA E CONTRATUALISMO

Uma possibilidade de compreender a escola como um lugar onde se estabelece um contrato de relações onde se empreende objetivos bem definidos em promoção da cidadania.


terça-feira, 16 de maio de 2017

O HOMEM, “ANIMAL POLÍTICO”

Neste trecho da introdução do livro A política, Aristóteles expõe a clássica definição do ser humano como animal político por natureza e a cidade como comunidade política autossuficiente.

O HOMEM, “ANIMAL POLÍTICO”

A sociedade que se formou da reunião de várias aldeias constitui a Cidade, que tem a faculdade de se bastar a si mesma, sendo organizada não apenas para conservar a existência, mas também para buscar o bemestar. Esta sociedade, portanto, também está nos desígnios da natureza, como todas as outras que são seus elementos. Ora, a natureza de cada coisa é propriamente seu fim. Assim, quando um ser é perfeito, de qualquer espécie que ele seja – homem, cavalo, família –, dizemos que ele está na natureza.
Além disso, a coisa que, pela mesma razão, ultrapassa as outras e se aproxima mais do objetivo proposto deve ser considerada a melhor. Bastarse a si mesma é uma meta a que tende toda a produção da natureza e é também o mais perfeito estado. É, portanto, evidente que toda Cidade está na natureza e que o homem é naturalmente feito para a sociedade política.
[...]
Assim, o homem é um animal cívico [político], mais social do que as abelhas e os outros animais que vivem juntos. A natureza, que nada faz em vão, concedeu apenas a ele o dom da palavra, que não devemos confundir com os sons da voz. Estes são apenas a expressão de sensações agradáveis ou desagradáveis, de que os outros animais são, como nós, capazes. A natureza deulhes um órgão limitado a este único efeito; nós, porém, temos a mais, senão o conhecimento desenvolvido, pelo menos o sentimento obscuro do bem e do mal, do útil e do nocivo, do justo e do injusto, objetos para a manifestação dos quais nos foi principalmente dado o órgão da fala. Este comércio da palavra é o laço de toda sociedade doméstica e civil.
O Estado, ou sociedade política, é até mesmo o primeiro objeto a que se propôs a natureza. O todo existe necessariamente antes da parte. As sociedades domésticas e os indivíduos não são senão as partes integrantes da Cidade, todas subordinadas ao corpo inteiro, todas distintas por seus poderes e suas funções, e todas inúteis quando desarticuladas, semelhantes às mãos e aos pés que, uma vez separados do corpo, só conservam o nome e a aparência, sem a realidade, como uma mão de pedra. O mesmo ocorre com os membros da Cidade: nenhum pode bastarse a si mesmo. Aquele que não precisa dos outros homens, ou não pode resolverse a ficar com eles, ou é um deus ou um bruto. Assim, a inclinação natural leva os homens a este gênero de sociedade.

ARISTÓTELES. A política. São Paulo: Martins Fontes,

1991. p. 3-5.

terça-feira, 2 de maio de 2017

DISCURSO DA SERVIDÃO VOLUNTÁRIA

DISCURSO DA SERVIDÃO VOLUNTÁRIA

Luciene Félix
Professora de Filosofia e Mitologia Greco-Romana da ESDC
mitologia@esdc.com.br


“A tirania não é ato de força ou violência de um homem ou de um bando de homens, mas nasce do desejo de servir e é o povo que gera seu próprio infortúnio, cúmplice dos tiranos” (Marilena Chauí)
Com “Le Discours de la Servitude Volontaire” (1552), compreendemos que a gênese da desumana opressão exercida pelos poderosos aos menos favorecidos é atemporal e universal. Escrita como um mero panfleto militante, aos 16 ou 18 anos pelo Pensador francês Etienne de La Boétie, enquanto estudante de Direito, esmiúça os porquês que levam a multidão a se permitir escravizar, cega e voluntariamente, a se dispor a servir.

Para La Boétie é o povo que se sujeita e se degola; que, podendo escolher entre ser súdito ou ser livre, rejeita a liberdade e aceita o jugo, consente tal mal e até o persegue. Como ocorre esse processo é sobre o que o autor se debruça. Etienne esclarece que o tirano obtém seu poder com a conivência do próprio povo subjugado e que a este bastaria decidir não mais servir, recusar-se a sustentá-lo para que se tornasse livre. São apontadas na obra, as três razões que culminam numa servidão voluntária.

Ao esmiuçar os meandros da servidão, revela como está em nós enraizada a vontade de servir, apesar de existir em nossa alma um germe de razão produtor da virtude (desde que alimentados pelos bons costumes e bons exemplos) e de que a própria natureza é justa (pois para esta, nenhum ser humano pode ser mantido em servidão). Os próprios animais prezam a liberdade e se recusam a servir; quando o fazem é por imposição.

Afirma também haver três tipos de tiranos, maus Príncipes: 1) os que o obtém o poder pela força das armas; 2) àqueles que o herdam por sucessão da raça e 3) os que chegam ao poder por eleição do povo. Os que o obtém pelo direito da guerra, agem como em terra conquistada; quanto aos reis, nascidos e criados no seio da tirania, consideram os povos a eles submetidos como servos hereditários, têm todo o Reino e seus súditos como extensão de sua herança. Quanto ao eleito pelo povo, não nos enganemos: ao se ver alçado a um posto tão elevado, tão alto – “lisonjeado por um não sei quê que chamam de grandeza” – toma a firme resolução de não abrir mão da res pública. “Quase sempre considera o poderio que lhe foi confiado pelo povo como se devesse ser transmitido a seus filhos”. Para La Boétie, é essa idéia funesta que o faz superar todos os outros tiranos em vícios de todo tipo e até em crueldades.

Para consolidar a nova tirania e aumentar a servidão, afastam toda e qualquer idéia de liberdade presente no espírito do povo. Em resumo, independente de como chegam ao poder, o modus operandi é quase sempre o mesmo: os conquistadores vêem o povo como uma presa a ser dominada; os sucessores como um rebanho que naturalmente lhes pertence e, por fim, os eleitos tratam-no como bicho a ser domado.

La Boétie salienta que “Para que os homens, enquanto neles resta vestígio de homem, se deixem sujeitar, é preciso uma das duas coisas: que sejam forçados ou iludidos. Iludidos, eles também perdem a liberdade; mas, então, menos freqüentemente pela sedução de outrem do que por sua própria cegueira.” O povo cai em tão profundo esquecimento de seus direitos que é quase impossível acordá-lo. Serve tão mansamente e de tão bom grado que, ao observá-lo no torpor da servidão, se poderia dizer não que tenha perdido totalmente a liberdade, mas que nunca a conheceu: “no início serve-se contra a vontade e à força; mais tarde, acostuma-se, e os que vêm depois, nunca tendo conhecido a liberdade, nem mesmo sabendo o que é, servem sem pesar e fazem voluntariamente o que seus pais só haviam feito por imposição. Assim, os homens que nascem sob o jugo, alimentados e criados na servidão, sem olhar mais longe, contentam-se em viver como nasceram; e como não pensam ter outros direitos nem outros bens além dos que encontraram em sua entrada na vida, consideram como sua condição natural a própria condição de seu nascimento”.

A primeira razão da servidão voluntária é o HÁBITO. Por hábito, somos ensinados a servir, nos escravizamos. É o costume que, à medida em que o tempo passa, nos leva não somente a engolir, pacientemente, os sapos venenosos da escravidão, mas até mesmo a desejá-lo: “pois por melhor que seja, o natural se perde se não é cultivado, enquanto o hábito sempre nos conforma à sua maneira, apesar de nossas tendências naturais.”

Sendo assim, de se nascer servo e ser criado na servidão decorre naturalmente a segunda razão da servidão voluntária: a COVARDIA! Sob a tirania (mesmo que disfarçada), necessariamente os homens se acovardam, se escravizam: “Os escravos não tem ardor nem constância no combate. Só vão a ele como que obrigados, por assim dizer embotados, livrando-se de um dever com dificuldade: não sentem queimar em seu coração o fogo sagrado da liberdade, que faz enfrentar todos os perigos e desejar uma bela e gloriosa morte que nos honra para sempre junto aos nossos semelhantes. Entre os homens livres, ao contrário, é à discussão, polêmica, cada qual melhor, todos por um e cada um por todos: sabem que colherão uma parte igual no infortúnio da derrota ou na felicidade da vitória; mas os escravos, inteiramente sem coragem e vivacidade, têm o coração baixo e mole, e são incapazes de qualquer grande ação. Disso bem sabem os tiranos; assim, fazem todo o possível para torná-los sempre mais fracos e covardes. Artimanha dos tiranos: bestializar seus súditos!”.

Também como instrumentos de alienação, verdadeira mantenedora da tirania, a fim de adormecer o povo, súditos da escravidão, disponibiliza-se todo e qualquer meio de distração: drogas, tavernas, casas de prostituição, jogos, lutas públicas, fanfarras, enfim, toda sorte de iscas para o entorpecimento: caras, bundas, sejam puro-sangues ou égüinhas pocotós. Não há então necessidade de precaver-se contra o povo ignorante e miserável, fácil e bestialmente entretido e domesticado com tolices vãs: “Os tiranos romanos foram longe [na política do pão e circo], festejando freqüentemente os homens das decúrias (homens do povo, agrupados de dez em dez, e alimentados às custas do tesouro público), empanturrando essa gente embrutecida e adulando-a por onde é mais fácil de prender, pelo prazer da boca. Por isso, o mais instruído dentre eles não teria largado sua tigela de sopa para recobrar a liberdade da República de Platão. Os tiranos distribuíam amplamente o quarto de trigo, o sesteiro de vinho, o sestércio [bolsa-família romana]; e então dava pena ouvir gritar: Viva o Rei! Os broncos não percebiam que, recebendo tudo isso, apenas recobravam uma parte de seu próprio bem, e que o tirano não teria podido dar-lhes a própria porção que recobravam se antes não a tivesse tirado deles mesmos. O que hoje apanhava o sestércio, o que se empanturrava no festim público abençoando Tibério e Nero por sua liberalidade, no dia seguinte, ao ser obrigado a abandonar seus bens à cobiça, seus filhos à luxuria, sua própria condição à crueldade desses magníficos imperadores ficavam mudos como uma pedra e imóvel como um tronco”. Subserviente, iludida e enfeitiçada é a massa de ignorantes! “A covardia é a mãe da crueldade” (Montaigne). Nós mesmos, pacífico povo brasileiro, temos tradição, orgulhamo-nos de nossa mansidão e vivemos um paradoxo pois a violência é efeito (e não causa) da servidão voluntária.

Discorrendo sobre a terceira razão da servidão voluntária, a PARTICIPAÇÃO NA TIRANIA, La Boétie aponta quem são os interesseiros que se deixam seduzir pelo esplendor dos tesouros públicos sob a guarda do tirano, os que, em conluio, garantem e asseguram seu poder: “são sempre quatro ou cinco homens que o apóiam e que para ele sujeitam o país inteiro. Sempre foi assim: cinco ou seis obtiveram o ouvido do tirano e por si mesmos dele se aproximaram ou então, foram chamados para serem os cúmplices de suas crueldades, os companheiros de seus prazeres, os complacentes para com suas volúpias sujas e os sócios de suas rapinas. Tão bem esses seis domam seu chefe que este se torna mau para com a sociedade, não só com suas próprias maldades, mas também com as deles. Esses seis têm seiscentos que debaixo deles domam e corrompem, como corromperam o tirano. Esses seiscentos mantêm sob sua dependência seis mil, que dignificam, aos quais fazem dar o governo das províncias ou o manejo dos dinheiros públicos, para que favoreçam sua avareza e crueldade, que as mantenham ou as exerçam no momento oportuno e, aliás, façam tanto mal que só possam se manter sob sua própria tutela e instar-se das leis e de suas penas através de sua proteção. Grande é a série que vêm depois deles. E quem quiser seguir o rastro não verá os seis mil mas cem mil, milhões que por essa via se agarram ao tirano, formando uma corrente ininterrupta que sobe até ele. Daí procedia o aumento do poder do senado sob Júlio César, o estabelecimento de novas funções, a escolha para os cargos – não para reorganizar a justiça, mas sim para dar novos sustentáculos à tirania. Em suma, pelos ganhos e parcelas de ganhos que se obtêm com os tiranos chega-se ao ponto em que, afinal, aqueles a quem a tirania é proveitosa são em número quase tão grande quanto aqueles para quem a liberdade seria útil. Que condição é mais miserável que a de viver assim, nada tendo de seu e recebendo de um outro sua satisfação, sua liberdade, seu corpo e sua vida! Mas eles querem servir para amealhar bens”.

Com isso vislumbra-se a rede da servidão. Frágil por natureza, de onde, a todo instante despontam os escândalos pois, o tirano não tem amigos, não ama nem é amado: “O que torna um amigo seguro do outro é o conhecimento de sua integridade. Entre os maus, quando se juntam, há uma conspiração, não uma sociedade; Eles não se entre-apóiam mas se entre-temem. São cúmplices”.

Na ilusão de que estamos livres, fundamentam-se os três caminhos que nos levam a servidão (hábito, covardia e participação). Não estamos. Mas podemos vir a ser. Pois, quanto a resgatar a Liberdade, nos invade de esperanças Aristóteles:

“A Justiça [também] é um hábito que nunca morre”.

FONTE: http://www.esdc.com.br/CSF/artigo_2007_11_Boetie.htm

A POLITICA E NICOLAU MAQUIAVEL

A POLITICA E NICOLAU MAQUIAVEL

POR: Fabiano Alves de Assis

O presente artigo visa investigar o novo sentido que a tese de Maquiavel[1] veio dar à política moderna. De modo analítico e crítico, vamos desenvolver nosso trabalho com a intenção de apontar as novidades trazidas por Maquiavel para o campo das ciências políticas e traçar um breve paralelo entre o que Maquiavel pensou e o que é feito da política atual. De modo sucinto, e passando brevemente pela política grega, mais especificamente em Platão e Aristóteles, desenvolveremos o tema da ciência política surgida a partir de Maquiavel.

DA ANTIGUIDADE À MODERNIDADE

Desde Platão e Aristóteles, constata-se que a política se dava na polis, girando em torno do bem comum. Para ser político, a pessoa deveria ser bem dotada, virtuosa e instruída. Dizia-se também que para ser político dever-se-ia ter certo grau de instrução de modo que a pessoa mais apta para governar seria o filósofo, surgindo a ideia do rei-filósofo. Podemos perceber em Platão que o bem coletivo, ou seja, a manutenção do Estado deve ser buscada pelos homens: “Platão acha-a (justificação da sociedade e do estado) na própria natureza humana, porquanto cada homem precisa do auxílio material e moral dos outros” (PADOVANI; CASTAGNOLA, 1961, p.68).  E com Aristóteles, a ótica platônica de coletividade é retomada. Para ele, a política vem a ser uma “doutrina moral social” (PADOVANI; CASTAGNOLA, 1961, p. 81).   “A política, contudo, é distinta da moral, porquanto esta tem como objeto o indivíduo, aquela a coletividade. A ética é a doutrina moral individual, a política é a doutrina moral social.” (PADOVANI; CASTAGNOLA, 1961, p. 81).

 Já a partir de Maquiavel, há uma mudança de perspectiva para a política, ela será vista por outro ângulo, deslocada para um novo campo reflexivo. O filósofo italiano nos ensina que outros modos de se fazer política são possíveis e até mais rentosos para aquele que a esta atividade se dedica.  Transfere-se o foco da política do bem comum, ou da arte de governar para outro plano de reflexão, mostrando-nos como os políticos-governantes devem se comportar, a partir dos ideais que Maquiavel pensa para o príncipe que deveria surgir em seu tempo e assumir o poder.

Maquiavel inovou o modo de fazer política, mostrando que há uma disparidade no que a filosofia antiga falava sobre o tema e sobre o que de fato era o sistema com sua ciência política, mudando o paradigma iniciada na polis grega. A obra O príncipe, nos deixa claro que o desejo do filósofo não é o de fazer especulações sobre política, mas sim criar um guia prático, que a partir do empirismo ensina que, se preciso, o governante deve transgredir a moral para se manter no poder. Na verdade, ele firma um tratado sobre o modo de fazer política. A democracia grega em sua matriz não ensina que política deve ser feita a partir demagogia. Ensina que política é a arte de governar a polis – termo utilizado para designar a cidade grega, como vemos em Aristóteles e Platão. Maquiavel faz uma análise do que deu certo e dos modelos que não deram certos. Grande conhecedor de como funciona a psicologia humana no âmbito da política, egoísta e ambiciosa, faz uma leitura realista do homem. Evidenciando que os fins justificam os meios surgindo assim o conceito “maquiavélico”. Maquiavel fala que se o povo está rebelde, cabe ao governante fazer alguns atos de crueldade para que o povo veja quem é o governante, mas também não pode ser cruel demais. “O príncipe deve saber servir-se da natureza do animal, deve entre eles tirar as qualidades da raposa (estratégia e esperteza) e do leão (força, domínio, coragem)”. (MAQUIAVEL, 1983, p.73).

A partir da realidade em que vivia e experenciava, Maquiavel trabalha uma problemática: questiona como é possível constituir um Estado.  Não leva em consideração os valores transcendentais, tais como os valores éticos, religiosos e espirituais trazendo a discussão para um campo próprio de discussão, criando seus próprio métodos. Na verdade, Maquiavel não nega esses valores, mas sim afirma que esses valores devem ser subordinados ao estado. Ou contribuem para o bem do estado, ou serão subordinados a ele.

O fim último é o estado, a que tudo deve ser subordinado, tanto os indivíduos como todos os valores, até os morais e religiosos. Indivíduos e valores devem servir unicamente como instrumentos de governo, e podem ser aniquilados pelo estado. (PADOVANI; CASTAGNOLA, 1961, p. 218).

É por isso que podemos observar que se necessário, o príncipe poderá transgredir a moral em favor de se manter no poder. Maquiavel vê no homem sua faceta pessimista: a partir da observação do homem como ser egoísta e ambicioso. Desta forma, Maquiavel traça sua ciência política de forma utilitarista. E é desta ciência política e percepção de Maquiavel que surge o dito popular “os fins justificam os meios”, pois segundo ele, se o fato de o príncipe ter certas atitudes que pode vir a constranger o povo, se for em razão de manter um governo, se torna justificável.

Portanto, dizer que a ciência política de Maquiavel é imoral, se levado em consideração que a moral pode ser transgredida em razão do poder, torna-se verídico. Mas mostra fielmente o proceder do homem em relação ao poder.

O estado é ético, possui suas normas e convenções. E à natureza do homem, a constituição de um estado é indispensável. E é a partir da eticidade do Estado e da natureza racional do homem que se compreende a comparação deste com o leão e com a raposa, ou seja, unir força com esperteza.

A POLÍTICA NOS DIAS DE HOJE

Comparando o sistema político maquiavélico com a realidade hodierna, vemos que a situação não mudou muito. Muitos se assustam ao entrar em contato com o “maquiavelismo” expresso na obra O príncipe, mas o modo de governar hoje, a astúcia dos candidatos e governantes, o jogo político, as alianças, o modo que o povo é tratado, tudo isso parece ser uma implementação do que pensou Maquiavel há séculos atrás. Fica evidente tal situação nas convenções partidárias promíscuas nos períodos eleitorais e nos casos de corrupção no exercício do governo. Os ditadores Saddam Hussein no Iraque, Kadafi na Líbia e Kim Jon-um, filho do ex-ditador norte coreano Kim Jong-il, são exemplos atuais de domínio do poder tal como Maquiavel já observava na renascença. Também observamos o empenho para se manter no poder, sobretudo econômico, com a política externa dos Estados Unidos. Observamos também a aplicabilidade nas políticas externas e internas dos países: Venezuela com o presidente Hugo Chaves, Bolívia com o presidente Evo Morales, Cuba com o presidente Raúl Castro.  Com isso, vê-se que o pensamento de Maquiavel é válido e de fato ele fez uma “fotografia” de para onde caminhava a política.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Maquiavel pode ser às vezes criticado por sua ciência politica, devido ao modo como expõe os meios de que se deva valer os seres humanos para se manterem no poder e as maneiras para se adquirirem súditos. Mas ele é realista ao tratar da ambição e do egoísmo humano no tocante ao poder. Sua obra, quer agrade ou quer desagrade, tem seu mérito por ser fruto de uma pesquisa, de um trabalho intenso e que revolucionou uma corrente de pensamento:

Resta examinar agora como deve um príncipe comportar-se com os seus súditos e seus amigos. Como sei que muita gente já escreveu a respeito desta matéria, duvido que não seja considerado presunçoso proponho-me examiná-la também, tanto mais quanto, ao tratar deste assunto, não me afastarei grandemente dos princípios estabelecidos pelos outros. Todavia, como é meu intento escrever coisa útil para os que se interessarem, pareceu-me mais conveniente procurar a verdade pelo efeito das coisas, do que pelo que delas se possa imaginar. (MAQUIAVEL, 1983, p. 62).

A obra de Maquiavel vem a lume, em um momento em que as nações se organizavam politicamente. As potências europeias deixavam o sistema feudal e adotava o absolutismo, formando e constituindo os estados nacionais e centrando-os na pessoa do rei. “O regime político mais característico da Idade Moderna foi a monarquia absoluta. Nele, os monarcas não tinham limites para o seu poder”( RAMOS, s.d, p. 14). Sobretudo pela forma como eram governadas as nações que se constituíam centradas nesta perspectiva do reinado “A frase atribuída a ele (Luis XIV), ‘L’ État c’ est moi’ (‘ o Estado sou eu’)” (RAMOS, s. d, p. ). Seu pensamento é válido e muito eficaz para aquele momento. É muito mais fácil fazer o percurso pelo qual trilhou Maquiavel “Procurar a verdade pelo efeito das coisas” (MAQUIAVEL, 1983, p. 62), do que um esclarecimento de âmbito racional de “maquiar” a realidade, o que consideramos ser uma perda para a humanidade. Discutir se o modo maquiavélico de se fazer  política é moral ou amoral não vem ao caso neste momento. Para o campo científico de investigação e pesquisa do pensamento, vemos que sua teoria foi completamente nova, em vista do que já se havia pensado e produzido sobre o tema abordado na obra e neste artigo. E se sua teoria pode ser vista aplicada ainda hoje, é sinal que o ser humano não deixou de ser egoísta e ambicioso. É ainda mais um indicativo que sendo valorado pela atual sociedade ou não, seu método traz algo de particular e eficaz, em razão de se vê-lo sendo utilizado ainda hoje. “Maquiavel retratou a política tal qual era e não como deveria ser. Foi o primeiro cientista político da história e escritor que melhor descreveu a sua época.” ( RAMOS, s.d, p. 28).

Referências

MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe: Escritos Políticos. Tradução Lívio Xavier. 3. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983.

PADOVANI, H.; CASTAGNOLA, L. História da Filosofia. 4. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1961.

RAMOS, Luciano. História Moderna e Contemporânea. São Paulo: Companhia editora nacional, s.d.

REALE, G.; ANTISERI, D. História da Filosofia 3: do humanismo a Descartes. São Paulo: Paulus, 2004.

______. História da Filosofia 4: de Spinoza a Kant. São Paulo: Paulus, 2005.

[1] “Nicolau Machiavelli nasceu em Florença em 1469. Foi secretário e historiador da república florentina. Destituído e exilado, voltou ainda à pátria, chamado pelos amigos. Faleceu em 1527, obscuro e abandonado. Entre seus escritos têm particular interesse filosófico Il Príncipe e os Discorsi sopra la prima deca di Tito Livio.” (PADOVANI, H; CASTAGNOLA, L. 1961, p. 218).

FONTE: http://pensamentoextemporaneo.com.br/?p=2174

NICOLAU MAQUIAVEL

Nicolau Maquiavel


Niccolò di Bernardo dei Machiavelli, mais conhecido no Brasil como Nicolau Maquiavel, foi um filósofo que viveu e produziu entre os séculos XV e XVI, na região de Florença. Dedicou-se a explicação e compreensão do estado, politica e homens de estado como estes são na realidade, em oposição àqueles autores que formularam teorias acerca de como deveria ser o estado ou o governante ideal. Para além de descrever o estado de sua época, Maquiavel também apresentou estratégias e métodos sobre como os homens de estado deveriam comportar-se para tirar maior proveito da realidade, mantendo e expandindo o poder.
Grande dificuldade foi encontrada por autores posteriores ao tentar estabelecer a moral de Maquiavel. Devido a sua posição realista acerca da natureza e forma de manutenção do estado e suas instituições, especialmente sua descrição de como a desonestidade e a morte de inocentes pode ser útil aos políticos, em sua obra mais famosa, O Príncipe. Maquiavel foi criticado e repudiado veementemente por diversos estudiosos políticos e, especialmente, teóricos da moral, o que contribui para a associação de seu nome a uma característica inescrupulosa, com a criação do adjetivo "maquiavélico".Maquiavel é visto como um proponente do que viria a ser o cientista empirista moderno, defendendo que expandir a partir da experiência e fatos históricos é o melhor método de se desenvolver uma filosofia consistente, especialmente em política, e que a teorização a partir da imaginação é inútil. Com esta aproximação, Maquiavel foi capaz de afastar a politica da teologia e da filosofia moral, desenvolvendo-a como uma disciplina em si mesma. Assim, contribuiu para a compreensão de como os governantes de fato agem e mesmo para a antecipação de seu comportamento. Defendeu o estudo da fundação de uma nação e a compreensão de seus elementos originais como essencial para a antecipação do futuro.
Por outro lado, autores como Baruch SpinozaJean-Jacques Rousseau e Denis Diderot defenderam que Maquiavel era na verdade um republicano e que suas ideias foram extremamente úteis para a compreensão do estado, inspirando o Iluminismo e consequentemente o desenvolvimento da filosofia politica democrática moderna. O autor italiano Benedetto Croce defendeu Maquiavel afirmando que sua posição era a aceitação de que, na realidade, as regras morais afetam muito pouco a ação e decisões dos políticos. A interpretação aceita atualmente é a de que Maquiavel se coloca como um cientista politico, procurando distinguir os fatos da vida politica dos valores do julgamento moral.
Encontramos em Maquiavel uma critica ao aristotelianismo teológico, aceito pela igreja, e a relação da igreja com o estado, que levaria muitas decisões práticas a serem tomadas com base em ideais imaginários. O aristotelianismo teológico foi a mais sofisticada forma de justificação do cristianismo e, na visão de Maquiavel, teve como efeito justificar a preguiça e inação das pessoas frente aos desafios da vida e da sociedade, ao esperar pela providência divina para solucionar tais desafios. Este posicionamento, de recusa da sorte e destino baseados em algo externo a vida humana, classificou Maquiavel como um humanista. Enquanto encontramos em filósofos como Platão a descrição da politica, tornando-o mais próximo de Maquiavel do que Aristóteles, tais filósofos sempre tiveram uma inclinação para posicionar a filosofia acima da politica, enquanto Maquiavel recusava qualquer ideia teleológica, aquelas que postulam causas finais ideais.
Embora seguidores de Maquiavel tenham preferido métodos mais pacíficos e baseados na economia para promover o desenvolvimento, é aceito que a posição de aceitação de riscos, ousadia, ambição e inovação que Maquiavel sugere aos lideres políticos ajudou a fundar novos modos de se fazer politica e negócios.

Referências bibliográficas:

Barbuto, Marcelo (2005), "Questa oblivione delle cose. Reflexiones sobre la cosmología de Maquiavelo (1469-1527)," Revista Daimon, 34, Universidad de Murcia.
BATH, S. Maquiavelismo: a prática política segundo Nicolau Maquiavel (São Paulo: Editora Ática). 1992.
Machiavelli, N. O Príncipe, a natureza do poder e as formas de conservá-lo. Tradução: Candida de Sampaio Bastos. Edição com comentários de Napolão Bonaparte e Rainha Cistina da Suécia. São Paulo. DLP. 2009
TENENTI, Alberto (1973). Florença na época dos Médici. Da cidade ao Estado. (São Paulo: Perspectiva). ISBN.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

NEOLIBERALISMO E MERITOCRACIA

NEOLIBERALISMO E MERITOCRACIA



Nos anos 1980, o Brasil seguiu rota inversa do paradigma neoliberal. Fomos salvos pelo momento político. A agenda de mudanças das ruas visava a acertar contas com a ditadura e não havia solo fértil para germinar a contraofensiva dos mercados desregulados.
No entanto, no início da década de 1990, se forma “o grande consenso favorável às políticas de ajuste e às reformas propugnadas pelo Consenso de Washington”, como explica José Luis Fiori. No plano interno, além do esgotamento do Estado Nacional Desenvolvimentista, assiste-se à remontagem da tradicional coalizão que tem sustentado o poder conservador no Brasil. Depois dos sobressaltos vividos pela campanha pelas eleições diretas (1983) e da quase vitória de Lula (1989), essa forças políticas se rearticularam em torno das candidaturas de Fernando Collor de Mello (1989) e, posteriormente, de Fernando Henrique Cardoso (1994 e 1998).


Em busca do poder vitalício, a classe política novamente demonstrou notável capacidade de preservar o status quo social, adaptando-se às circunstâncias da conjuntura para representar os interesses das forças que detêm o poder hegemônico (econômico, político, midiático). Essa mimetização explica como políticos identificados com a ditadura e outros identificados com o projeto reformista democrático das décadas de 1970-1980 passaram a ser base de sustentação do antagônico projeto neoliberal.
A política deixou de cultivar projetos ambiciosos de transformação social e de tutelar a economia para conter o ímpeto desagregador do mercado. A esfera pública foi sistematicamente esvaziada, aprofundando-se a submissão da sociedade civil, do sistema político e do Estado aos interesses dos mercados globais desregulados.
O período é marcado pelo esgotamento do movimento social que lutou contra a ditadura. A crise do mercado de trabalho pôs os sindicatos na defensiva e minou a crescente organização da classe trabalhadora, que se ampliava desde o final dos anos de 1970.
Essa trilha caminhava na direção oposta à dos que clamavam nos movimentos populares das décadas de 1970-1980: introdução da prática da democracia participativa a ser efetivada pelos partidos políticos, afirma Marilena Chaui. “Numa palavra: sindicatos, associações, entidades, movimentos sociais e movimentos populares eram políticos, valorizavam a política, propunham mudanças políticas e rumaram para a criação de partidos políticos como mediadores institucionais de suas demandas”. A autora atribui ao neoliberalismo o peso maior pelo quase desaparecimento dessas conquistas da cena política.
No campo econômico, diversos autores sustentam ter havido uma opção “passiva” pelo modelo liberal. As elites dirigentes foram conquistadas pela convicção de que “não há outro caminho possível”, segundo Fiori. O argumento corrente à época (“there is no alternative”) foi relembrado por Roberto Schwarz em artigo recente.2 A partir dali, nossos governos abriram mão das possibilidades de exercício de política macroeconômica mais ativa, como afirmam, entre outros, Carlos Alonso Barbosa de Oliveira e Jorge Mattoso.
A economia também seguiu a rota oposta do que pediam as vozes das ruas das décadas de 1970-1980 (ver artigo Paralelos entre 1988 e 2013 desta série). O Plano Real teve êxito na estabilização da moeda. Não obstante, esse resultado positivo foi obtido com custos sociais e econômicos elevados. As bases materiais e financeiras do Estado foram minadas em consequência das privatizações e do endividamento crescente. A selvagem abertura financeira e comercial expôs a indústria à competição desigual que provocou internacionalização e destruição das cadeias produtivas de setores estratégicos. Os problemas crônicos do subdesenvolvimento econômico e social foram agravados.
O ajuste macroeconômico, ao combinar abertura comercial e valorização do câmbio, desequilibrou a balança de pagamentos e ampliou a vulnerabilidade externa. A “solução” de curto prazo passava pela atração de capital especulativo para acumular reservas. Para isso, foram praticados juros internos “obscenos”. Nos períodos de crise internacional (México, Ásia e Rússia), a taxa de juros básicos da economia subiu para patamares superiores a 40% ao ano.

As opções monetária e cambial provocaram desorganização das contas fiscais dos três entes federativos, limitando as possibilidades do investimento e do gasto social, em função da crescente necessidade de gerar superávits fiscais para pagar encargos financeiros. O endividamento público dobrou em oito anos (de 30% para 60% do PIB, entre 1994 e 2002). O aumento das despesas com juros (superior a 8% do PIB em muitos anos) motivou elevação da carga tributária promovida entre 1995 e 2002 (de 25% para 34% do PIB).
O ajuste macroeconômico e as reformas liberalizantes geraram estagnação e ampliação da crise social e do trabalho. A renda per capita ficou estagnada, o desemprego atingiu 13% em 2002 e houve forte destruição de postos de trabalho formais, conforme Mattoso. A participação relativa do trabalho assalariado “com carteira assinada” despencou de 59% para 45%, entre 1989 e 1999; a distribuição da renda do trabalho manteve-se praticamente inalterada, segundo Paulo Baltar; ocorreu uma “deterioração ponderável” da distribuição entre lucros e renda do trabalho (renda funcional), em favor do primeiro, segundo Cláudio Salvadori Dedecca; e a mobilidade social foi interrompida, segundo ainda Waldir Quadros.
O endividamento público limitou o gasto social e abriu espaços para que o poder econômico capturasse parcela expressiva dos fundos públicos que financiavam os direitos sociais conquistados em 1988. A maior pressão do pagamento das despesas financeiras sobre o orçamento estreitava as margens do financiamento dos gastos sociais. Observe-se que, entre 1996 e 2003, a participação do gasto social federal na despesa total efetiva do governo declinou 10 pontos percentuais (de 60% para 50%), enquanto a participação das despesas financeiras cresceu 16 pontos (de 17% para 33%)(Castro, J.; Ribeiro J.A e Carvalho,A. 2008).


Movimento semelhante ocorreu no âmbito dos governos estaduais e municipais. A política econômica, depois de provocar substancial elevação do endividamento desses entes federativos, impôs severo programa de renegociação de dívidas e regras de gestão fiscal “responsável”. Esses fatos também tiveram repercussões nos rumos das políticas sociais, na medida em que, a partir de 1993, de forma correta, estados e municípios assumiram responsabilidades crescentes nas áreas da saúde, educação fundamental e assistência social.  
No campo da cidadania social, o projeto neoliberal exigia a eliminação do capítulo sobre a “Ordem Social” da Constituição da República. Isso também caminhava na rota oposta do que pediam as vozes das ruas das décadas de 1970-1980. O Estado mínimo, cerne da agenda liberalizante, era incompatível com os valores do Estado de Bem-Estar: seguro social versus seguridade social; focalização versus universalização; assistencialismo versus direitos; privatização versus prestação estatal direta dos serviços; desregulação e contratação flexível versus direitos trabalhistas e sindicais.
É dessa perspectiva que poderemos perceber a força das ideias que procuram impor a “focalização” como a única política social possível para o Brasil. Essa alternativa ganhou impulso no contexto das mudanças ocorridas a partir do acordo com o FMI, no final de 1998. Programas focalizados, vistos como “estratégica única” para alcançar o “bem-estar”, passaram a se contrapor às políticas universais. Essa suposta opção pelos pobres ilude os incautos que não percebem que o objetivo central é promover ajuste fiscal. Programas de transferência de renda são muito mais baratos que políticas universais (0,5% do PIB, contra 7% do PIB, no caso da Previdência, por exemplo).
Além do ajuste fiscal, as políticas focalizadas como “estratégia única” abrem as portas para a privatização dos serviços sociais básicos. A ideologia prega que ao Estado cabe somente cuidar dos “pobres” eleitos pelas agências internacionais (quem recebe até US$ 2 por dia). Os demais precisam comprar serviços sociais no mercado.
Esses parâmetros mais gerais influenciaram os rumos da política social entre 1990 e 2002. É com esse pano de fundo que poderemos compreender o retrocesso dos direitos trabalhistas e da previdência social; o abandono da reforma agrária; o avanço da mercantilização das políticas sociais (saneamento, transporte público, saúde, previdência e educação superior); a ausência de política nacional de transporte público, habitação popular e saneamento; o esvaziamento do pacto federativo; as restrições ao gasto social, pela captura dos fundos públicos pelo poder econômico (DRU, seguridade social, encargos financeiros, isenções tributárias). É verdade que foram feitos avanços institucionais nas áreas da saúde, educação fundamental e assistência social, não obstante sistematicamente limitados pela política macroeconômica.
A análise realizada até o momento – que será aprofundada nos artigos seguintes – permite afirmar que o projeto neoliberal dos anos de 1990 explica, em grande medida, o “mal-estar” que emergiu dos protestos populares de 2013. Em última instância, esses movimentos estão questionando a qualidade da democracia e da cidadania social formalmente conquistadas pelas marchas das décadas de 1970-1980 e aviltadas posteriormente.
Esta perspectiva conflita com a visão do economista André Lara Resende. Analisando as razões dos protestos populares, o autor isenta de responsabilidade o governo do qual foi colaborador. Para ele “desde a estabilização do processo inflacionário crônico, houve grandes avanços nas condições econômicas de vida dos brasileiros”. Assim, o “mal-estar contemporâneo” deve-se ao projeto de Estado Nacional de Desenvolvimento formulado no século passado que teria sido recuperado pelos governos do Partido dos Trabalhadores.
Nos próximos dois artigos, serão apresentados dados adicionais que confrontam autoenganos dessa natureza. 




sábado, 18 de fevereiro de 2017

A DEFINIÇÃO DE ESTADO NA POLÍTICA ARISTOTÉLICA

A DEFINIÇÃO DE ESTADO NA POLÍTICA ARISTOTÉLICA

A comunidade política, que é a soberana em relação às comunidades reunidas em torno dessa, é a cidade. A cidade é a composição de lares e vilas, sendo um último grau de comunidade. Porém, ela é soberana e visa o bem soberano. Vejamos de que modo se formam as comunidades:
A primeira comunidade é o lar, que é formado por três relações:
1. Casal (homem-mulher) – essa relação é natural e visa à procriação. Trata-se de uma necessidade, onde os dois dependem um do outro para a sua existência e perpetuação da espécie. É a universalidade entre macho e fêmea para a satisfação de um bem, uma carência do ser humano. Aqui se dá o poder político entre seres livres e iguais. Porém, este poder difere de sentido de homem para homem. No casal, o poder de governar é permanentemente do homem, pois este é apto para ordenar, enquanto que à mulher cabe apenas obedecer;
2. Pai e filho – é o poder régio, sobre os seres livres e desiguais. Essa desigualdade está baseada na diferença de idade, cabendo ao filho obedecer ao pai;
3. Senhor e escravo – o senhor é apto por natureza a governar e o escravo a obedecer e realizar trabalhos manuais. É o poder despótico sobre seres não livres.
A segunda comunidade é a vila. A comunidade, conforme Aristóteles, evolui naturalmente como de uma criança para um adulto e deste para um idoso. A vila é a evolução do lar. Ele satisfaz, além da reprodução da espécie e nutrição do indivíduo, a administração da justiça e das cerimônias religiosas.
A terceira e última comunidade é a cidade, fim da evolução natural. É na cidade que o homem pode preencher suas necessidades de viver em comum por suas carências. A cidade é autárquica, e uma comunidade perfeita é o único meio dos homens gozarem da felicidade plena, porque essa consiste no aperfeiçoamento do intelecto, na construção das virtudes e na satisfação do espírito.
A cidade é, portanto, o fim nos dois sentidos do termo. Fim da evolução natural e é também o seu próprio fim, ou seja, ela é por si mesma. Além de o homem ser um animal político, é também, dentre todos os animais, o mais político, pois possui linguagem, a capacidade não só de um prazer ou dor, mas de ter um conceito do justo e do injusto, do bem e do mal. É esse conceito em comum que faz uma comunidade.
Percebe-se, assim, que o bem do indivíduo e o bem do Estado são da mesma natureza. E embora estes consistam em buscar a completude, somente na realização do Estado, satisfazendo os fins materiais e espirituais está a perfeição. Portanto, é no Estado que o homem é realmente homem, porque naturalmente político, pois fora disso, é um animal servil como os outros.
Por João Francisco P. Cabral
Colaborador Brasil Escola
Graduado em Filosofia pela Universidade Federal de Uberlândia - UFU
Mestrando em Filosofia pela Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP

FONTE: http://brasilescola.uol.com.br/filosofia/a-definicao-estado-na-politica-aristotelica.htm

OS REGIMES POLÍTICOS E AS FORMAS DE GOVERNO SEGUNDO ARISTÓTELES

OS REGIMES POLÍTICOS E AS FORMAS DE GOVERNO SEGUNDO ARISTÓTELES

Em sua obra “Política”, Aristóteles distingue regimes políticos e formas ou modos de governo. O primeiro termo refere-se ao critério que separa quem governa e o número de governantes. Temos, pois, três regimes políticos: a monarquia (poder de um só), a oligarquia (poder de alguns poucos) e a democracia (poder de todos). O segundo (as formas de governo) refere-se a em vista de quê eles governam, ou seja, com qual finalidade. Para o filósofo, os governos devem governar em vista do que é justo, de interesse geral, o bem comum. Sendo assim, são classificadas seis formas de governo: aquele que é um só para todos (realeza), de alguns para todos (aristocracia) e de todos para todos (regime constitucional). Os outros três modos (tirania, oligarquia e democracia) são deturpações, degenerações dos anteriores, ou seja, não governam em vista do bem comum.
Aristóteles faz uma análise crítica do meio pelo qual é distribuído o poder nas cidades (a cada um é dado o poder proporcional que lhe cabe). Para aqueles que assim pensam, a cidade se torna um modo doloroso da vida individual. Aristóteles, ao contrário, acredita que a coexistência política é o maior bem. Para os oligarcas e os democratas, “melhor seria viver sozinho, mas isso não é possível: precisamos do poder de todos para proteger o de cada um e dos outros” (Francis Wolff). A cidade se baseia na amizade e na não afeição, e não em um meio de defesa, pois não se trata do interesse de cada um, mas da felicidade de todos.
Aristóteles propõe então cinco possibilidades de candidatos ao poder: a massa (pobre), a classe possuidora, os homens de valor, o melhor homem e o tirano. Este é descartado por seu poder ser baseado na força. A massa poderia privar os outros em nome de si. A minoria possuidora governaria por interesses próprios. Os homens virtuosos ou mesmo o melhor homem excluiria os outros da decisão. A princípio, Aristóteles acredita que o poder deve ser de todos os cidadãos. Mas essa democracia tem algumas restrições.
Na democracia do tipo aristotélica, o povo é soberano. Todavia, existe uma restrição no conceito de liberdade, pois viver como bem entender contraria esse conceito para Aristóteles. As leis são a liberdade, a salvação, pois a partir do momento em que o povo faz o que quer, como se nada fosse impossível, a democracia se torna uma tirania. Viver como bem entender torna a democracia um individualismo, contrário ao que é o bem comum.
A democracia segundo Aristóteles deve então ser totalmente soberana, mas com duas limitações: não deve ir além dos órgãos de deliberação e julgamento, pois estes são poderes coletivos expressos em uma constituição (o conjunto do povo é superior a cada um dos indivíduos) e não exigem competência técnica; a segunda limitação é o dever de agir de acordo com as leis.
O filósofo põe em questão dois pontos:
  • O homem excepcional (o rei);
  • A regra geral (as leis).
O rei está sujeito às paixões, mas pode se adaptar aos casos particulares; já as leis são fixas, racionais, mas não se adaptam a todas as situações em particular.
Assim, Aristóteles mantém a ideia de que o povo delibera e julga melhor que o indivíduo, mas com o pré-requisito de que exista um número suficiente de homens de bem para qualificar as decisões, caso contrário, a realeza se mostra necessária.
Por João Francisco P. Cabral
Colaborador Brasil Escola
Graduado em Filosofia pela Universidade Federal de Uberlândia - UFU
Mestrando em Filosofia pela Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP
FONTE: http://brasilescola.uol.com.br/filosofia/os-regimes-politicos-as-formas-governo-segundo-aristoteles.htm

A FILOSOFIA: "FILHA DA CIDADE"

A FILOSOFIA: "FILHA DA CIDADE"

Quando a Filosofia surge na Grécia Antiga e se consolida na cidade de Atenas que naquela época havia se tornado um centro intelectual e cultural, a Filosofia vai adquirir uma característica bastante peculiar. Filósofos como Sócrates, Platão, Aristóteles e os Sofistas vão concentrar boa parte de suas reflexões em torno das discussões antropológicas, quer dizer, em torno do próprio homem, do ponto de vista individual, normativo, social, político e existencial.

            Por sua ênfase nas discussões antropológicas e em torno da realidade política ateniense o historiador da Filosofia, Jean-Pierre Vernant, chegou a declarar que a Filosofia é "filha da cidade", ou seja, havia uma preocupação por parte de tais pensadores em discutir o papel social e coletivo dos indivíduos e esta preocupação era tão forte que Aristóteles chegou a definir o homem como um "zoon politikon", um "animal político".

            A ágora (praça pública) era o lugar privilegiado onde o debate em torno dos problemas políticos e sociais enfrentados pelos cidadãos atenienses se realizavam.


   

 

            Vale lembrar que a Grécia Antiga é o berço da Democracia (governo do povo) e, pela primeira vez, os cidadãos poderiam participar diretamente da coisa pública (res pública). Assim surge, se assim podemos dizer, a Filosofia Política.

            Os primeiros grandes mestres do pensamento político foram, sem dúvida, Platão e Aristóteles. Ambos procuraram sistematizar suas idéias escrevendo obras cuja importância são reconhecidas ainda hoje, o primeiro, é autor do clássico A República e o segundo, autor de Política. Obras fundamentais para quem quer conhecer um pouco da história e das idéias em torno do fenômeno do poder.

            Filosofia e Política têm mantido, entre si, ligações antigas. Platão oferece aquele que pode ser o seu mais forte paradigma. O filósofo rei, aquele que está apto a exercer uma função pública de administrar a cidade e que pode fazer passar, para a ordem instável do mundo sensível e na qual se encontra a cidade, a imutabilidade do mundo das ideias, o mundo da verdade. Já com o filósofo alemão Karl Marx nós encontramos um outro modelo. Pois agora a verdade é a dialética do movimento do mundo material (o mundo das ideias platônico é uma quimera, só existe o mundo sensível, material) histórico e da luta de classes entre opressores e oprimidos.  Marx, além disso, denuncia a filosofia que, ocupando-se apenas em interpretar o mundo, esquece de transformá-lo. Mas a práxis revolucionária marxista, que fique bem claro, não é uma práxis que se faria às cegas. Toda práxis demanda sua teoria, e cabe à filosofia, então revolucionária indicar-lhe o seu portador.
            Marx pesquisou a história da humanidade. Foi um pensador, um estudioso, que queria entender a sociedade. Sua grande contribuição foi uma profunda análise sobre o sistema Capitalista e como esse modelo de organização política e Econômica favorece a ampliação das desigualdades sociais. E de como esse modelo revela uma sociedade que não é uma sociedade preocupada com o bem estar geral, é uma sociedade preocupada em vender, a sociedade do lucro, por isso que é a sociedade do capital, não a sociedade do social, é a sociedade que só quer se manter para que cada vez mais seja produzido mais e mais lucro. A sociedade avança muito com a tecnologia, começa a produzir muito, mas o social fica para trás.
            O Capitalismo que tem suas origens no Liberalismo político com John Locke e se consolida com o Liberalismo econômico de Adam Smith. A ideia de que o homem é livre e o Estado existe apenas para garantir o direito à vida, à liberdade e o direito da propriedade faz com que Locke seja considerado o pai do liberalismo político. A ideia de que essa liberdade tem que ser garantida dentro das relações de mercado, ou seja, o Estado tem que intervir o mínimo possível na economia faz com que Adam Smith seja considerado o pai do liberalismo econômico. E a crítica a este pensamento é feita por Karl Marx. Mas a ideia de que a propriedade privada é algo natural e tem que ser garantida pelo Estado é criticada antes mesmo de Marx, por Jean-Jacques Rousseau. O primeiro homem que cercou um lote de terra e disse “isso aqui é meu”, afirma Rousseau, causou um dos maiores males para a humanidade, pois com a surgimento da propriedade privada teve origem as desigualdades sociais. Rousseau estabelece dessa forma a instituição da propriedade privada e da desigualdade social como o principal problema da organização política
            Mas estas não são as únicas contribuições que a Filosofia pode oferecer em torno da análise do pensamento político. Em todas as épocas os filósofos sempre se pré-ocuparam com a questão social e pensaram à respeito. Como é o caso do renascimento e da modernidade. No renascimento o pensamento político de Nicolau Maquiavel caracterizou-se pela reflexão crítica sobre o poder e o Estado. Em “O Príncipe”, Maquiavel secularizou a filosofia política e separou o exercício do poder da moral e religião cristã. Diplomata e administrador experiente, cético e realista, defende a constituição de um estado forte e aconselha o governante a preocupar-se em conservar o Estado, pois na política o que vale é o resultado. O príncipe deve buscar o sucesso sem se preocupar com os meios. Com Maquiavel surgiram os primeiros contornos da doutrina da razão de estado, segundo a qual a segurança do estado tem tal importância que, para garanti-la, o governante pode violar qualquer norma jurídica, moral, política e econômica. Maquiavel foi o primeiro pensador a fazer distinção entre a moral pública e a moral particular e o primeiro defensor da autonomia da esfera política, sobretudo em relação à moral e a religião, quer dizer, fora de qualquer preocupação de ordem moral e teológica. Além disso, Maquiavel rejeita os sistemas utópicos, a política normativa dos gregos e procura a verdade efetiva, ou seja, como os homens agem de fato.
            Fazendo uma clara alusão às utopias desde Platão até Thomas Morus e Tommaso Campanella, Maquiavel distancia-se também dos tratados sistemáticos da escolástica medieval e propõe estudar a sociedade pela análise dos fatos, sem se perder em vãs especulações. Ao observar a história dos fatos, Maquiavel constata que os homens sempre agiram pelas formas de violência e da corrupção e conclui que o homem é por natureza capaz do mal e do erro. Às utopias opõe um realismo antiutopista através do qual Maquiavel pretende desenvolver uma teoria voltada para a ação eficaz e imediata.
            Também é possível encontrar um certo realismo político nas análises da pensadora contemporânea Hanna Arendt. Arendt analisa a aproximação entre filosofia e política e entende que o político e o filósofo não se confundem, pois enquanto um busca um conhecimento abstrato e complexo sobre algo que é uma espécie de ser, o outro se preocupa com as ações, atos e posicionamentos que uma pessoa deve ter. Segundo ela, a filosofia tenta demasiadamente ser neutra para poder se posicionar. São discussões sobre o que é plausível, o que é lógico, o que faz sentido dentro de um esquema teórico, enquanto o político se importa mais com o que faz sentido dentro de um aspecto mais real, mais concreto. 
            Vemos assim como o problema político evidencia o problema social – sua organização, seus mecanismos – e ambos têm ocupado os filósofos em todos os tempos. Nesta seção você poderá aprofundar algumas das ideias aqui esboçadas, seja na Filosofia Antiga, através das ideias de Platão e Aristóteles, seja na Filosofia Moderna, mergulhando no pensamento de Maquiavel, Rousseau ou dos economistas clássicos, seja na Filosofia Contemporânea, através do pensamento de Marx, Arendt, a Escola de Frankfurt, dentre outros.

            Através destes pensadores, a filosofia se projeta para o campo da política, para pensar os desafios do convívio sócio político, enfrentar e debater de perto a lógica das regras que devem presidir o jogo das relações políticas, para propor-se a avaliar o confronto de valores na esfera pública, para pôr a nu a presença do mecanismo Ideológico como mascarador do poder nas relações sociais, para apresentar a utopia que guia o raciocínio em direção a ruptura com as mazelas do sistema estabelecido quando apresenta traçado um Estado Ideal, para criar alternativas reflexivas e críticas para a superação da crise política e se debruçar sobre as formas de Estado. Se a filosofia pensa o poder, pensa os limites do poder, se pensa a justiça, discute as injustiças. É neste sentido que seu papel e sua função social vêm exatamente descritos por esta sua intromissão na dimensão das questões de relevância política e de relevância social, na governança dos interesses comuns.
           
            E eis como o filósofo e historiador do pensamento político contemporâneo, Norberto Bobbio, definiu a Filosofia Política:

  1. Filosofia política como determinação do Estado perfeito: quando a filosofia busca construir modelos ideais de Estado ou convivência política fundamentada em valores;
  2. Filosofia política como determinação da categoria “política”: quando a filosofia busca esclarecer os significados e o alcance do conceito e da atividade política;
  3. Filosofia política como procura do critério de legitimidade do poder: quando a filosofia procura responder à questão dos fundamentos da necessidade da obediência ao poder político;
  4. Filosofia política como metodologia da ciência política: quando a filosofia busca esclarecer os pressupostos epistemológicos que tornam possível a Ciência Política.

Referências Bibliográficas


BOBBIO, Norberto. Teoria geral da política: a filosofia política e as lições dos clássicos. Tradução de Daniela Beccaccia Versiani. 11. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2000.


FONTE: http://www.portalconscienciapolitica.com.br/filosofia-politica/