terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

NEOLIBERALISMO E MERITOCRACIA

NEOLIBERALISMO E MERITOCRACIA



Nos anos 1980, o Brasil seguiu rota inversa do paradigma neoliberal. Fomos salvos pelo momento político. A agenda de mudanças das ruas visava a acertar contas com a ditadura e não havia solo fértil para germinar a contraofensiva dos mercados desregulados.
No entanto, no início da década de 1990, se forma “o grande consenso favorável às políticas de ajuste e às reformas propugnadas pelo Consenso de Washington”, como explica José Luis Fiori. No plano interno, além do esgotamento do Estado Nacional Desenvolvimentista, assiste-se à remontagem da tradicional coalizão que tem sustentado o poder conservador no Brasil. Depois dos sobressaltos vividos pela campanha pelas eleições diretas (1983) e da quase vitória de Lula (1989), essa forças políticas se rearticularam em torno das candidaturas de Fernando Collor de Mello (1989) e, posteriormente, de Fernando Henrique Cardoso (1994 e 1998).


Em busca do poder vitalício, a classe política novamente demonstrou notável capacidade de preservar o status quo social, adaptando-se às circunstâncias da conjuntura para representar os interesses das forças que detêm o poder hegemônico (econômico, político, midiático). Essa mimetização explica como políticos identificados com a ditadura e outros identificados com o projeto reformista democrático das décadas de 1970-1980 passaram a ser base de sustentação do antagônico projeto neoliberal.
A política deixou de cultivar projetos ambiciosos de transformação social e de tutelar a economia para conter o ímpeto desagregador do mercado. A esfera pública foi sistematicamente esvaziada, aprofundando-se a submissão da sociedade civil, do sistema político e do Estado aos interesses dos mercados globais desregulados.
O período é marcado pelo esgotamento do movimento social que lutou contra a ditadura. A crise do mercado de trabalho pôs os sindicatos na defensiva e minou a crescente organização da classe trabalhadora, que se ampliava desde o final dos anos de 1970.
Essa trilha caminhava na direção oposta à dos que clamavam nos movimentos populares das décadas de 1970-1980: introdução da prática da democracia participativa a ser efetivada pelos partidos políticos, afirma Marilena Chaui. “Numa palavra: sindicatos, associações, entidades, movimentos sociais e movimentos populares eram políticos, valorizavam a política, propunham mudanças políticas e rumaram para a criação de partidos políticos como mediadores institucionais de suas demandas”. A autora atribui ao neoliberalismo o peso maior pelo quase desaparecimento dessas conquistas da cena política.
No campo econômico, diversos autores sustentam ter havido uma opção “passiva” pelo modelo liberal. As elites dirigentes foram conquistadas pela convicção de que “não há outro caminho possível”, segundo Fiori. O argumento corrente à época (“there is no alternative”) foi relembrado por Roberto Schwarz em artigo recente.2 A partir dali, nossos governos abriram mão das possibilidades de exercício de política macroeconômica mais ativa, como afirmam, entre outros, Carlos Alonso Barbosa de Oliveira e Jorge Mattoso.
A economia também seguiu a rota oposta do que pediam as vozes das ruas das décadas de 1970-1980 (ver artigo Paralelos entre 1988 e 2013 desta série). O Plano Real teve êxito na estabilização da moeda. Não obstante, esse resultado positivo foi obtido com custos sociais e econômicos elevados. As bases materiais e financeiras do Estado foram minadas em consequência das privatizações e do endividamento crescente. A selvagem abertura financeira e comercial expôs a indústria à competição desigual que provocou internacionalização e destruição das cadeias produtivas de setores estratégicos. Os problemas crônicos do subdesenvolvimento econômico e social foram agravados.
O ajuste macroeconômico, ao combinar abertura comercial e valorização do câmbio, desequilibrou a balança de pagamentos e ampliou a vulnerabilidade externa. A “solução” de curto prazo passava pela atração de capital especulativo para acumular reservas. Para isso, foram praticados juros internos “obscenos”. Nos períodos de crise internacional (México, Ásia e Rússia), a taxa de juros básicos da economia subiu para patamares superiores a 40% ao ano.

As opções monetária e cambial provocaram desorganização das contas fiscais dos três entes federativos, limitando as possibilidades do investimento e do gasto social, em função da crescente necessidade de gerar superávits fiscais para pagar encargos financeiros. O endividamento público dobrou em oito anos (de 30% para 60% do PIB, entre 1994 e 2002). O aumento das despesas com juros (superior a 8% do PIB em muitos anos) motivou elevação da carga tributária promovida entre 1995 e 2002 (de 25% para 34% do PIB).
O ajuste macroeconômico e as reformas liberalizantes geraram estagnação e ampliação da crise social e do trabalho. A renda per capita ficou estagnada, o desemprego atingiu 13% em 2002 e houve forte destruição de postos de trabalho formais, conforme Mattoso. A participação relativa do trabalho assalariado “com carteira assinada” despencou de 59% para 45%, entre 1989 e 1999; a distribuição da renda do trabalho manteve-se praticamente inalterada, segundo Paulo Baltar; ocorreu uma “deterioração ponderável” da distribuição entre lucros e renda do trabalho (renda funcional), em favor do primeiro, segundo Cláudio Salvadori Dedecca; e a mobilidade social foi interrompida, segundo ainda Waldir Quadros.
O endividamento público limitou o gasto social e abriu espaços para que o poder econômico capturasse parcela expressiva dos fundos públicos que financiavam os direitos sociais conquistados em 1988. A maior pressão do pagamento das despesas financeiras sobre o orçamento estreitava as margens do financiamento dos gastos sociais. Observe-se que, entre 1996 e 2003, a participação do gasto social federal na despesa total efetiva do governo declinou 10 pontos percentuais (de 60% para 50%), enquanto a participação das despesas financeiras cresceu 16 pontos (de 17% para 33%)(Castro, J.; Ribeiro J.A e Carvalho,A. 2008).


Movimento semelhante ocorreu no âmbito dos governos estaduais e municipais. A política econômica, depois de provocar substancial elevação do endividamento desses entes federativos, impôs severo programa de renegociação de dívidas e regras de gestão fiscal “responsável”. Esses fatos também tiveram repercussões nos rumos das políticas sociais, na medida em que, a partir de 1993, de forma correta, estados e municípios assumiram responsabilidades crescentes nas áreas da saúde, educação fundamental e assistência social.  
No campo da cidadania social, o projeto neoliberal exigia a eliminação do capítulo sobre a “Ordem Social” da Constituição da República. Isso também caminhava na rota oposta do que pediam as vozes das ruas das décadas de 1970-1980. O Estado mínimo, cerne da agenda liberalizante, era incompatível com os valores do Estado de Bem-Estar: seguro social versus seguridade social; focalização versus universalização; assistencialismo versus direitos; privatização versus prestação estatal direta dos serviços; desregulação e contratação flexível versus direitos trabalhistas e sindicais.
É dessa perspectiva que poderemos perceber a força das ideias que procuram impor a “focalização” como a única política social possível para o Brasil. Essa alternativa ganhou impulso no contexto das mudanças ocorridas a partir do acordo com o FMI, no final de 1998. Programas focalizados, vistos como “estratégica única” para alcançar o “bem-estar”, passaram a se contrapor às políticas universais. Essa suposta opção pelos pobres ilude os incautos que não percebem que o objetivo central é promover ajuste fiscal. Programas de transferência de renda são muito mais baratos que políticas universais (0,5% do PIB, contra 7% do PIB, no caso da Previdência, por exemplo).
Além do ajuste fiscal, as políticas focalizadas como “estratégia única” abrem as portas para a privatização dos serviços sociais básicos. A ideologia prega que ao Estado cabe somente cuidar dos “pobres” eleitos pelas agências internacionais (quem recebe até US$ 2 por dia). Os demais precisam comprar serviços sociais no mercado.
Esses parâmetros mais gerais influenciaram os rumos da política social entre 1990 e 2002. É com esse pano de fundo que poderemos compreender o retrocesso dos direitos trabalhistas e da previdência social; o abandono da reforma agrária; o avanço da mercantilização das políticas sociais (saneamento, transporte público, saúde, previdência e educação superior); a ausência de política nacional de transporte público, habitação popular e saneamento; o esvaziamento do pacto federativo; as restrições ao gasto social, pela captura dos fundos públicos pelo poder econômico (DRU, seguridade social, encargos financeiros, isenções tributárias). É verdade que foram feitos avanços institucionais nas áreas da saúde, educação fundamental e assistência social, não obstante sistematicamente limitados pela política macroeconômica.
A análise realizada até o momento – que será aprofundada nos artigos seguintes – permite afirmar que o projeto neoliberal dos anos de 1990 explica, em grande medida, o “mal-estar” que emergiu dos protestos populares de 2013. Em última instância, esses movimentos estão questionando a qualidade da democracia e da cidadania social formalmente conquistadas pelas marchas das décadas de 1970-1980 e aviltadas posteriormente.
Esta perspectiva conflita com a visão do economista André Lara Resende. Analisando as razões dos protestos populares, o autor isenta de responsabilidade o governo do qual foi colaborador. Para ele “desde a estabilização do processo inflacionário crônico, houve grandes avanços nas condições econômicas de vida dos brasileiros”. Assim, o “mal-estar contemporâneo” deve-se ao projeto de Estado Nacional de Desenvolvimento formulado no século passado que teria sido recuperado pelos governos do Partido dos Trabalhadores.
Nos próximos dois artigos, serão apresentados dados adicionais que confrontam autoenganos dessa natureza. 




sábado, 18 de fevereiro de 2017

A DEFINIÇÃO DE ESTADO NA POLÍTICA ARISTOTÉLICA

A DEFINIÇÃO DE ESTADO NA POLÍTICA ARISTOTÉLICA

A comunidade política, que é a soberana em relação às comunidades reunidas em torno dessa, é a cidade. A cidade é a composição de lares e vilas, sendo um último grau de comunidade. Porém, ela é soberana e visa o bem soberano. Vejamos de que modo se formam as comunidades:
A primeira comunidade é o lar, que é formado por três relações:
1. Casal (homem-mulher) – essa relação é natural e visa à procriação. Trata-se de uma necessidade, onde os dois dependem um do outro para a sua existência e perpetuação da espécie. É a universalidade entre macho e fêmea para a satisfação de um bem, uma carência do ser humano. Aqui se dá o poder político entre seres livres e iguais. Porém, este poder difere de sentido de homem para homem. No casal, o poder de governar é permanentemente do homem, pois este é apto para ordenar, enquanto que à mulher cabe apenas obedecer;
2. Pai e filho – é o poder régio, sobre os seres livres e desiguais. Essa desigualdade está baseada na diferença de idade, cabendo ao filho obedecer ao pai;
3. Senhor e escravo – o senhor é apto por natureza a governar e o escravo a obedecer e realizar trabalhos manuais. É o poder despótico sobre seres não livres.
A segunda comunidade é a vila. A comunidade, conforme Aristóteles, evolui naturalmente como de uma criança para um adulto e deste para um idoso. A vila é a evolução do lar. Ele satisfaz, além da reprodução da espécie e nutrição do indivíduo, a administração da justiça e das cerimônias religiosas.
A terceira e última comunidade é a cidade, fim da evolução natural. É na cidade que o homem pode preencher suas necessidades de viver em comum por suas carências. A cidade é autárquica, e uma comunidade perfeita é o único meio dos homens gozarem da felicidade plena, porque essa consiste no aperfeiçoamento do intelecto, na construção das virtudes e na satisfação do espírito.
A cidade é, portanto, o fim nos dois sentidos do termo. Fim da evolução natural e é também o seu próprio fim, ou seja, ela é por si mesma. Além de o homem ser um animal político, é também, dentre todos os animais, o mais político, pois possui linguagem, a capacidade não só de um prazer ou dor, mas de ter um conceito do justo e do injusto, do bem e do mal. É esse conceito em comum que faz uma comunidade.
Percebe-se, assim, que o bem do indivíduo e o bem do Estado são da mesma natureza. E embora estes consistam em buscar a completude, somente na realização do Estado, satisfazendo os fins materiais e espirituais está a perfeição. Portanto, é no Estado que o homem é realmente homem, porque naturalmente político, pois fora disso, é um animal servil como os outros.
Por João Francisco P. Cabral
Colaborador Brasil Escola
Graduado em Filosofia pela Universidade Federal de Uberlândia - UFU
Mestrando em Filosofia pela Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP

FONTE: http://brasilescola.uol.com.br/filosofia/a-definicao-estado-na-politica-aristotelica.htm

OS REGIMES POLÍTICOS E AS FORMAS DE GOVERNO SEGUNDO ARISTÓTELES

OS REGIMES POLÍTICOS E AS FORMAS DE GOVERNO SEGUNDO ARISTÓTELES

Em sua obra “Política”, Aristóteles distingue regimes políticos e formas ou modos de governo. O primeiro termo refere-se ao critério que separa quem governa e o número de governantes. Temos, pois, três regimes políticos: a monarquia (poder de um só), a oligarquia (poder de alguns poucos) e a democracia (poder de todos). O segundo (as formas de governo) refere-se a em vista de quê eles governam, ou seja, com qual finalidade. Para o filósofo, os governos devem governar em vista do que é justo, de interesse geral, o bem comum. Sendo assim, são classificadas seis formas de governo: aquele que é um só para todos (realeza), de alguns para todos (aristocracia) e de todos para todos (regime constitucional). Os outros três modos (tirania, oligarquia e democracia) são deturpações, degenerações dos anteriores, ou seja, não governam em vista do bem comum.
Aristóteles faz uma análise crítica do meio pelo qual é distribuído o poder nas cidades (a cada um é dado o poder proporcional que lhe cabe). Para aqueles que assim pensam, a cidade se torna um modo doloroso da vida individual. Aristóteles, ao contrário, acredita que a coexistência política é o maior bem. Para os oligarcas e os democratas, “melhor seria viver sozinho, mas isso não é possível: precisamos do poder de todos para proteger o de cada um e dos outros” (Francis Wolff). A cidade se baseia na amizade e na não afeição, e não em um meio de defesa, pois não se trata do interesse de cada um, mas da felicidade de todos.
Aristóteles propõe então cinco possibilidades de candidatos ao poder: a massa (pobre), a classe possuidora, os homens de valor, o melhor homem e o tirano. Este é descartado por seu poder ser baseado na força. A massa poderia privar os outros em nome de si. A minoria possuidora governaria por interesses próprios. Os homens virtuosos ou mesmo o melhor homem excluiria os outros da decisão. A princípio, Aristóteles acredita que o poder deve ser de todos os cidadãos. Mas essa democracia tem algumas restrições.
Na democracia do tipo aristotélica, o povo é soberano. Todavia, existe uma restrição no conceito de liberdade, pois viver como bem entender contraria esse conceito para Aristóteles. As leis são a liberdade, a salvação, pois a partir do momento em que o povo faz o que quer, como se nada fosse impossível, a democracia se torna uma tirania. Viver como bem entender torna a democracia um individualismo, contrário ao que é o bem comum.
A democracia segundo Aristóteles deve então ser totalmente soberana, mas com duas limitações: não deve ir além dos órgãos de deliberação e julgamento, pois estes são poderes coletivos expressos em uma constituição (o conjunto do povo é superior a cada um dos indivíduos) e não exigem competência técnica; a segunda limitação é o dever de agir de acordo com as leis.
O filósofo põe em questão dois pontos:
  • O homem excepcional (o rei);
  • A regra geral (as leis).
O rei está sujeito às paixões, mas pode se adaptar aos casos particulares; já as leis são fixas, racionais, mas não se adaptam a todas as situações em particular.
Assim, Aristóteles mantém a ideia de que o povo delibera e julga melhor que o indivíduo, mas com o pré-requisito de que exista um número suficiente de homens de bem para qualificar as decisões, caso contrário, a realeza se mostra necessária.
Por João Francisco P. Cabral
Colaborador Brasil Escola
Graduado em Filosofia pela Universidade Federal de Uberlândia - UFU
Mestrando em Filosofia pela Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP
FONTE: http://brasilescola.uol.com.br/filosofia/os-regimes-politicos-as-formas-governo-segundo-aristoteles.htm

A FILOSOFIA: "FILHA DA CIDADE"

A FILOSOFIA: "FILHA DA CIDADE"

Quando a Filosofia surge na Grécia Antiga e se consolida na cidade de Atenas que naquela época havia se tornado um centro intelectual e cultural, a Filosofia vai adquirir uma característica bastante peculiar. Filósofos como Sócrates, Platão, Aristóteles e os Sofistas vão concentrar boa parte de suas reflexões em torno das discussões antropológicas, quer dizer, em torno do próprio homem, do ponto de vista individual, normativo, social, político e existencial.

            Por sua ênfase nas discussões antropológicas e em torno da realidade política ateniense o historiador da Filosofia, Jean-Pierre Vernant, chegou a declarar que a Filosofia é "filha da cidade", ou seja, havia uma preocupação por parte de tais pensadores em discutir o papel social e coletivo dos indivíduos e esta preocupação era tão forte que Aristóteles chegou a definir o homem como um "zoon politikon", um "animal político".

            A ágora (praça pública) era o lugar privilegiado onde o debate em torno dos problemas políticos e sociais enfrentados pelos cidadãos atenienses se realizavam.


   

 

            Vale lembrar que a Grécia Antiga é o berço da Democracia (governo do povo) e, pela primeira vez, os cidadãos poderiam participar diretamente da coisa pública (res pública). Assim surge, se assim podemos dizer, a Filosofia Política.

            Os primeiros grandes mestres do pensamento político foram, sem dúvida, Platão e Aristóteles. Ambos procuraram sistematizar suas idéias escrevendo obras cuja importância são reconhecidas ainda hoje, o primeiro, é autor do clássico A República e o segundo, autor de Política. Obras fundamentais para quem quer conhecer um pouco da história e das idéias em torno do fenômeno do poder.

            Filosofia e Política têm mantido, entre si, ligações antigas. Platão oferece aquele que pode ser o seu mais forte paradigma. O filósofo rei, aquele que está apto a exercer uma função pública de administrar a cidade e que pode fazer passar, para a ordem instável do mundo sensível e na qual se encontra a cidade, a imutabilidade do mundo das ideias, o mundo da verdade. Já com o filósofo alemão Karl Marx nós encontramos um outro modelo. Pois agora a verdade é a dialética do movimento do mundo material (o mundo das ideias platônico é uma quimera, só existe o mundo sensível, material) histórico e da luta de classes entre opressores e oprimidos.  Marx, além disso, denuncia a filosofia que, ocupando-se apenas em interpretar o mundo, esquece de transformá-lo. Mas a práxis revolucionária marxista, que fique bem claro, não é uma práxis que se faria às cegas. Toda práxis demanda sua teoria, e cabe à filosofia, então revolucionária indicar-lhe o seu portador.
            Marx pesquisou a história da humanidade. Foi um pensador, um estudioso, que queria entender a sociedade. Sua grande contribuição foi uma profunda análise sobre o sistema Capitalista e como esse modelo de organização política e Econômica favorece a ampliação das desigualdades sociais. E de como esse modelo revela uma sociedade que não é uma sociedade preocupada com o bem estar geral, é uma sociedade preocupada em vender, a sociedade do lucro, por isso que é a sociedade do capital, não a sociedade do social, é a sociedade que só quer se manter para que cada vez mais seja produzido mais e mais lucro. A sociedade avança muito com a tecnologia, começa a produzir muito, mas o social fica para trás.
            O Capitalismo que tem suas origens no Liberalismo político com John Locke e se consolida com o Liberalismo econômico de Adam Smith. A ideia de que o homem é livre e o Estado existe apenas para garantir o direito à vida, à liberdade e o direito da propriedade faz com que Locke seja considerado o pai do liberalismo político. A ideia de que essa liberdade tem que ser garantida dentro das relações de mercado, ou seja, o Estado tem que intervir o mínimo possível na economia faz com que Adam Smith seja considerado o pai do liberalismo econômico. E a crítica a este pensamento é feita por Karl Marx. Mas a ideia de que a propriedade privada é algo natural e tem que ser garantida pelo Estado é criticada antes mesmo de Marx, por Jean-Jacques Rousseau. O primeiro homem que cercou um lote de terra e disse “isso aqui é meu”, afirma Rousseau, causou um dos maiores males para a humanidade, pois com a surgimento da propriedade privada teve origem as desigualdades sociais. Rousseau estabelece dessa forma a instituição da propriedade privada e da desigualdade social como o principal problema da organização política
            Mas estas não são as únicas contribuições que a Filosofia pode oferecer em torno da análise do pensamento político. Em todas as épocas os filósofos sempre se pré-ocuparam com a questão social e pensaram à respeito. Como é o caso do renascimento e da modernidade. No renascimento o pensamento político de Nicolau Maquiavel caracterizou-se pela reflexão crítica sobre o poder e o Estado. Em “O Príncipe”, Maquiavel secularizou a filosofia política e separou o exercício do poder da moral e religião cristã. Diplomata e administrador experiente, cético e realista, defende a constituição de um estado forte e aconselha o governante a preocupar-se em conservar o Estado, pois na política o que vale é o resultado. O príncipe deve buscar o sucesso sem se preocupar com os meios. Com Maquiavel surgiram os primeiros contornos da doutrina da razão de estado, segundo a qual a segurança do estado tem tal importância que, para garanti-la, o governante pode violar qualquer norma jurídica, moral, política e econômica. Maquiavel foi o primeiro pensador a fazer distinção entre a moral pública e a moral particular e o primeiro defensor da autonomia da esfera política, sobretudo em relação à moral e a religião, quer dizer, fora de qualquer preocupação de ordem moral e teológica. Além disso, Maquiavel rejeita os sistemas utópicos, a política normativa dos gregos e procura a verdade efetiva, ou seja, como os homens agem de fato.
            Fazendo uma clara alusão às utopias desde Platão até Thomas Morus e Tommaso Campanella, Maquiavel distancia-se também dos tratados sistemáticos da escolástica medieval e propõe estudar a sociedade pela análise dos fatos, sem se perder em vãs especulações. Ao observar a história dos fatos, Maquiavel constata que os homens sempre agiram pelas formas de violência e da corrupção e conclui que o homem é por natureza capaz do mal e do erro. Às utopias opõe um realismo antiutopista através do qual Maquiavel pretende desenvolver uma teoria voltada para a ação eficaz e imediata.
            Também é possível encontrar um certo realismo político nas análises da pensadora contemporânea Hanna Arendt. Arendt analisa a aproximação entre filosofia e política e entende que o político e o filósofo não se confundem, pois enquanto um busca um conhecimento abstrato e complexo sobre algo que é uma espécie de ser, o outro se preocupa com as ações, atos e posicionamentos que uma pessoa deve ter. Segundo ela, a filosofia tenta demasiadamente ser neutra para poder se posicionar. São discussões sobre o que é plausível, o que é lógico, o que faz sentido dentro de um esquema teórico, enquanto o político se importa mais com o que faz sentido dentro de um aspecto mais real, mais concreto. 
            Vemos assim como o problema político evidencia o problema social – sua organização, seus mecanismos – e ambos têm ocupado os filósofos em todos os tempos. Nesta seção você poderá aprofundar algumas das ideias aqui esboçadas, seja na Filosofia Antiga, através das ideias de Platão e Aristóteles, seja na Filosofia Moderna, mergulhando no pensamento de Maquiavel, Rousseau ou dos economistas clássicos, seja na Filosofia Contemporânea, através do pensamento de Marx, Arendt, a Escola de Frankfurt, dentre outros.

            Através destes pensadores, a filosofia se projeta para o campo da política, para pensar os desafios do convívio sócio político, enfrentar e debater de perto a lógica das regras que devem presidir o jogo das relações políticas, para propor-se a avaliar o confronto de valores na esfera pública, para pôr a nu a presença do mecanismo Ideológico como mascarador do poder nas relações sociais, para apresentar a utopia que guia o raciocínio em direção a ruptura com as mazelas do sistema estabelecido quando apresenta traçado um Estado Ideal, para criar alternativas reflexivas e críticas para a superação da crise política e se debruçar sobre as formas de Estado. Se a filosofia pensa o poder, pensa os limites do poder, se pensa a justiça, discute as injustiças. É neste sentido que seu papel e sua função social vêm exatamente descritos por esta sua intromissão na dimensão das questões de relevância política e de relevância social, na governança dos interesses comuns.
           
            E eis como o filósofo e historiador do pensamento político contemporâneo, Norberto Bobbio, definiu a Filosofia Política:

  1. Filosofia política como determinação do Estado perfeito: quando a filosofia busca construir modelos ideais de Estado ou convivência política fundamentada em valores;
  2. Filosofia política como determinação da categoria “política”: quando a filosofia busca esclarecer os significados e o alcance do conceito e da atividade política;
  3. Filosofia política como procura do critério de legitimidade do poder: quando a filosofia procura responder à questão dos fundamentos da necessidade da obediência ao poder político;
  4. Filosofia política como metodologia da ciência política: quando a filosofia busca esclarecer os pressupostos epistemológicos que tornam possível a Ciência Política.

Referências Bibliográficas


BOBBIO, Norberto. Teoria geral da política: a filosofia política e as lições dos clássicos. Tradução de Daniela Beccaccia Versiani. 11. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2000.


FONTE: http://www.portalconscienciapolitica.com.br/filosofia-politica/

ÉTICA E POLÍTICA

ÉTICA E POLÍTICA

Ética e Política

A relação entre ética e política adquiriu formas e valores bem distintos ao longo da história da humanidade, desde uma forte relação entre ética e política na Antiguidade, uma ruptura entre ambas no Renascimento e início da modernidade, uma crise de valores característica da contemporaneidade até uma proposta atual de reaproximação entre ambas.

Como é manifesto, na história da cultura ocidental encontram-se diferentes teorias acerca da relação entre ética e política, algumas das quais afirmam a compatibilidade, ou também a convergência, ou diretamente a substancial identidade dos dois termos; outras afirmam a divergência, a incompatibilidade ou diretamente o antagonismo (BOVERO, 1992, p. 141).

           É sobre esta intricada relação que iremos discorrer ao longo deste texto. Mas antes vejamos algumas breves considerações sobre o sentido etimológico da palavra ética.
            O conceito de “ética” remonta aos gregos; provém de êthos (com eta inicial), e éthos (com épsilon). Em seu primeiro significado, ethos designa a residência, morada, lugar onde se habita[1]; em sua segunda acepção designa o conjunto de costumes normativos da vida de um grupo social, o modo de ser, o caráter. É, pois, a realidade histórico-social dos costumes e sua presença no comportamento dos indivíduos que é designada pelas duas grafias do termo ethos.
            O seu último significado será vulgarizado a partir de Aristóteles que o integra definitivamente na filosofia usando ainda o adjetivo ethiké (ethiké procede do substantivo ethos conforme nos ensina Carlos Ferraz, 2014) que qualifica um determinado tipo de saber surgindo a expressão ethiké pragmateia, que se pode traduzir tanto como o exercício constante das virtudes morais, quanto como o exercício da investigação e da reflexão metódica sobre os costumes.
            Já o vocábulo moral traduz o latim mos, apresentando evolução semântica análoga a do termo ética. Os romanos não conseguiam fazer distinção, no latim, entre êthos e éthos, traduzindo por mos e mores. “Tal conceito foi posteriormente traduzido, por Cícero, para o termo latino mos, do qual advém a palavra “moral”, de tal forma que “moral” seria uma mera tradução de “ética” (significando, pois, a mesma coisa)” (FERRAZ, 2014, p. 09). Etimologicamente a raiz de moralis é o substantivo mos (mores) que corresponde ao grego ethos. Desde a época clássica, moralis, como substantivo ou adjetivo, passa a ser a tradução usual do grego ethiké e esse uso é transmitido ao latim tardio e, finalmente, ao latim escolástico, prevalecendo seu emprego tanto como adjetivo, para designar uma das partes da Filosofia, ou qualificar essa disciplina filosófica com a expressão Philosophia moralis, hoje vulgarizada nas diversas línguas ocidentais, quanto simplesmente como substantivo, como moral em nossa linguagem corrente.


Ética e Política ao longo da História


            Uma marca característica da ética na Antiguidade é sua indissociabilidade com a política. Desde Platão e seu discípulo Aristóteles, que a ideia de constituição da polis é perpassada pelo princípio de que a cidade deve ser dirigida por governantes sábios, justos e virtuosos. É de Aristóteles, por exemplo, a afirmação de que o homem é um animal político – zoon politikon. “Trata-se de um homem ‘essencialmente destinado à vida em comum na polis e somente aí se realiza como ser racional. Ele é um zoon politikón por ser exatamente um zoon logikón, sendo a vida ética e a vida política artes de viver segundo a razão’” (LIMA VAZ, 2004, p. 38-39 apud PANSARELLI, 2009, p. 13). E Hélcio Corrêa afirma que na polis grega o cidadão só é reconhecido como tal a partir de sua inserção na comunidade política e a razão prática que norteia a ação do cidadão grego está intimamente ligada ao ethos “[...] entendido este como um conjunto de tradições, costumes e valores próprios da vida na polis” (2011, p. 77) e, no caso de Aristóteles, “[...] as noções de ética e política de completam reciprocamente na teoria da justiça” (2011, p. 77).
            Com efeito, na polis grega, tanto o estudo da ética quanto da constituição da polis (da política) lançam as bases para o comportamento justo do indivíduo e do cidadão. Platão (1993), inclusive, compara a ideia de justiça, tanto no indivíduo quanto na sociedade, como sendo a harmonia entre suas partes. Essa dupla perspectiva aparece já no início da obra A República de Platão, a partir do Livro II quando este afirma que o homem justo em nada diferirá da cidade justa e será semelhante a ela (435b). Para Del Vecchio (1925, p. 14) aparecem aí fundidas a norma moral e jurídica, a política e a ética, inclusive a psicologia, ou seja, a vida interior do indivíduo e as relações sociais.

Isso de laços entre o indivíduo e a polis, se já existe certa simetria em Platão, radicaliza-se em Aristóteles, o qual tratou predominantemente da justiça no livro V da Ética a Nicômaco. John Morrall afiança-nos: [...] como Platão na República, Aristóteles vê uma analogia entre a vida da polis e a vida da família, e traça semelhanças entre os modos pelos quais se podem governar famílias e estados[...] (1981, p.45 apud CORRÊA, 2011, p. 78).

            A concepção de justiça para os gregos estabelece uma relação direta entre ética e política tanto para Platão quanto para Aristóteles, pois a justiça (dikaiosýne) é também virtude (areté). A justiça é tanto a ordem da comunidade dos cidadãos quanto virtude individual que consiste no discernimento do que é justo ou injusto.
            Para o filósofo grego Aristóteles, se a ética é condição de autorrealização do indivíduo ou, mais precisamente uma vida virtuosa com base na razão, se pode dizer o mesmo da política que é a condição de autorrealização da polis e uma e outra não estão separadas, assim como não estão separados o indivíduo e o cidadão. O projeto individualista do liberalismo moderno seria profundamente estranho aos pensadores gregos (MACINTYRE, 2001) que tinham por certo a premissa de que a liberdade situa-se sobretudo na esfera política (ARENDT, 1981) e por isso Aristóteles irá afirmar que aquele que for incapaz ou não sente a necessidade de se associar em comunidade ou é uma besta ou um deus (ARISTÓTELES, 1998, 1253a 25). Somente na polis, na vida em comunidade, a felicidade (eudaimonia) pode ser alcançada, e o bem, fim último da existência humana, pode se realizar (HIRSCHBERGER, 1969). Não existe agir ético ou virtuoso fora da polis.

E, assim, da mesma forma que, na Política escreveu Aristóteles: A finalidade e o objetivo da cidade é a vida boa, e tais instituições propiciam esse fim (Pol.,1280 b 40); também o filósofo não deixou de consignar que é preciso concluir que a comunidade política existe graças às boas ações, e não à simples vida em comum (Pol., 1281a1) (apud CORRÊA, 2011, p. 80).

            Portanto, os gregos não possuíam essa visão que separa a ética da política como sendo a primeira da esfera individual e a segunda exterior ao indivíduo e ambas tratadas separadamente: “[...] na polis grega, o cidadão, em si, é reconhecido como tal apenas a partir de sua inserção na comunidade política” (CORRÊA, 2011, p. 83). Ademais, apenas na polis a felicidade (eudaimonia) é passível de ser alcançada e na relação entre a vida individual e a vida em comunidade uma é condição de realização plena da outra e vice-versa.
            Para Alasdair Macintyre (2001) foi o liberalismo moderno que rompeu os laços com a polis, com a comunidade política, e enfatizou a dimensão humana do individualismo. Mas antes mesmo do liberalismo moderno uma ruptura ainda maior entre a ética e a política foi promovida por um dos maiores pensadores italianos do período renascentista e início da modernidade: aquele que é considerado, precisamente, o pai da ciência política, a saber, Nicolau Maquiavel.

Até o início do século XVI, política e moral não constituíam campos separados; ao contrário, eram tratadas de forma indistinta, sendo as avaliações dos fatos políticos afetadas por julgamentos de valor. Algumas obras revelavam a redução total da política à moral, tal como se pode observar em A educação do príncipe cristão, de Erasmo de Rotterdam, livro publicado em 1515, no qual Erasmo traça o perfil do bom príncipe, enfatizando a relevância da magnanimidade, da temperança e da honestidade, enfim, de atributos definidores da retidão moral do soberano. Maquiavel rompe com essa forma de subordinação da política aos ditames da moral convencional e afirma que a política tem uma lógica própria e razões nem sempre compatíveis com princípios consagrados pela tradição (DINIZ, 1999, p. 61).

            Ao rejeitar os sistemas utópicos da filosofia grega e procurar a verdade efetiva dos fatos (MAQUIAVEL, 1999, cap. XV), Maquiavel promove uma certa ruptura entre o campo do dever ser (determinado pela ética) e a realidade dos fatos que é objeto de estudo da política. A principal preocupação de Maquiavel é o Estado: não o Estado ideal imaginado na República de Platão ou nas utopias dos filósofos renascentistas como Thomas Morus e Tommaso Campanella, mas o Estado real, concreto, seguindo a trilha inaugurada pelos historiadores antigos como Tácito, Políbio, Tucídides e Tito Lívio. Ao desvincular o Estado ideal do Estado real Maquiavel defende a autonomia da política em relação à religião e à moral cristã e promove uma ruptura entre aquilo que é e o que deveria ser (SADEK, 1995, p. 17-18). “Maquiavel reivindica a irredutibilidade e a autonomia da política, a política como um campo específico do saber, a exigir um enfoque também específico, distinto da moral, da ética e da religião” (DINIZ, 1999, p. 60). A análise política deve se ater à realidade concreta dos fatos, pautar-se pelos aspectos objetivos e reais que existem na sociedade devendo se desprender de considerações de caráter moral e religioso sobre como a sociedade deveria ser e de critérios valorativos expressos em um plano ideal. O argumento de Maquiavel consiste “[...] em admitir que a ótica do indivíduo e a ótica do Estado são distintas e que nem sempre o que é bom para o indivíduo é igualmente adequado para o Estado. Trata-se de dois sistemas de juízos não necessariamente coincidentes” (DINIZ, 1999, p. 61).
            Cumpre notar, todavia, que Maquiavel não advoga a rejeição de princípios éticos. Apenas irá defender a autonomia da política em relação a ética e que, se necessário, um Príncipe deve aprender a saber usar de artifícios estratégicos que conflitam com a moral cristão, por exemplo, se quiser se manter no poder. A ética maquiaveliana tem características distintas da tradição cristã, de alguma forma determina a conduta do príncipe, mas não é condição necessária da organização política já que, dependendo da situação, um Príncipe deve saber agir pelas leis ou pela força, devendo empregar adequadamente o homem e o animal (MAQUIAVEL, 1999). “Podemos lembrar ainda o conselho que dá aos príncipes, no cap. XVIII, ressaltando que devem reunir ao mesmo tempo as qualidades do leão e da raposa, isto é, a força e a astúcia, se quiserem ter sucesso na condução dos negócios do Estado” (DINIZ, 1999, p. 60).
            Com a ruptura promovida por Maquiavel, a ética vai cada vez mais se distanciando do campo da política e os filósofos modernos e contemporâneos vão cada vez mais tratando a ética de forma autônoma e independente da política, mas não sem exceções, como é o caso do filósofo do iluminismo francês Jean-Jacques Rousseau ou dos filósofos Hegel e Habermas: o primeiro em fins do século XVIII e início do século XIX e o segundo no século XX.

Ética e Política Hoje


            Embora nem sempre haja convergência entre a prática políticas e os princípios morais, é fato hoje que a sociedade em geral está cansada de tantas notícias envolvendo escândalos de corrupção e posturas não condizentes com nossos representantes políticos (tanto na esfera do poder executivo quanto do legislativo) e clama por uma sociedade mais justa, no mesmo sentido em que desde a antiguidade Platão e Aristóteles já destacavam o importante papel que a justiça deve desempenhar para a vida em sociedade. Em um de seus pronunciamentos como candidato à presidência da República, Rui Barbosa afirmou: “Toda a política se há de inspirar na moral. Toda a política há de emanar da Moral. Toda a política deve ter a Moral por norte, bússola e rota” (apud NOGUEIRA, 1993, p. 350). Além disso, “a intensa crise política no país impõe que faça algumas reflexões sobre o problema da ética na política” (CHERCHI, 2009, p. 15).
            Para alguns há uma incompatibilidade inelutável entre ética e política e ambas devem ser consideradas em domínios opostos. Para outros “[...] há uma forte expectativa, particularmente nos regimes democráticos, de que os governantes se conduzam de acordo com critérios de probidade e justiça na administração dos negócios públicos” (DINIZ, 1999, p. 57). De qualquer forma é preciso considerar que o âmbito da esfera política não pode ser reduzido ao universo da ética e da moral, pois como afirma Frota: “Os valores políticos transcendem os valores éticos e o universo da política não pode ser confundido com o da ética” (2012, p. 14).
            Tanto a ética quanto a política são temas de uma longa tradição do pensamento filosófico e continuam a permear nossa realidade contemporânea por uma razão muito simples: não há como pensar a vida em sociedade sem valores morais e sem organização política. A questão é: as duas questões estão relacionadas ou devem ser tratadas de forma independente? Como vimos, ao longo da história, nem sempre os filósofos tiveram a mesma opinião sobre o assunto e ainda hoje esse tema é motivo de conflitos de ideias. Afinal, ética e política podem convergir entre si? “Podem ser ambos referidos a um mesmo termo de comparação, ou pertencem a universos incomensuráveis porque muito distantes? Pode-se responder de um e outro modo e articular a resposta de muitos modos diferentes” (BOVERO, 1992, p. 143). Para Cherchi, “a ética na política, diz respeito à conduta de cidadãos investidos em funções públicas, que como agentes públicos são responsáveis por manter uma conduta ética compatível com o exercício do cargo público para os quais foram eleitos” (2009, p. 15).
            Por fim vale ressaltar que a sociedade contemporânea parece, de fato, cansada de ouvir falar de tantos escândalos na política e a apatia e até mesmo repulsa de muitos cidadãos pela política são a consequência direta da forma como a política é conduzida pelos nossos governantes. Mas nem todos os cidadãos ficam passivos diante dos problemas que envolvem a classe política. As mais recentes manifestações da população brasileira como as do ano corrente ou as de 2014 ou 2013 atestam isso. A sociedade está cada vez mais disposta a se mobilizar pela “moralidade pública”. Escândalos de corrupção envolvendo as mais importantes empreiteiras do país na famosa operação Lava-Jato, os esquemas de corrupção conhecido como Mensalão, e até mesmo décadas atrás, no conhecido “movimento pela ética na política” de 1992 que culminou com o impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Melo demonstram o quanto a população está disposta a tomar as ruas se for preciso para acabar com a corrupção que assola o nosso país. Sabemos que muito há ainda por ser feito e que a corrupção, talvez, dificilmente tenha fim, já que são muitas as formas de manipulação, utilização e desvios de verba pública para beneficiar interesses particulares e partidários. Contudo, há nos corações e mentes de homens e mulheres sempre uma fagulha de esperança de que é possível viver numa sociedade mais justa e menos desigual. E é este sentimento que nos anima e nos move rumo a um futuro melhor.

Referências Bibliográficas


ARENDT, Hannah. A condição humanaRio de Janeiro: Forense Universitária: Salamandra, 1981.
ARISTÓTELES. Política. Trad. de António Campelo Amaral e Carlos de Carvalho Gomes. edição bilíngue. Lisboa: Vega, 1998. (edição disponível online)
BOVERO, Michelangelo. Ética e Política entre maquiavelismo e kantismoLua Nova, n. 25, p. 141-166, abr. 1992. Acessado em 15/03/2016.
CHERCHI, Giovana Silvia. Renúncia do mandato parlamentar na Câmara dos Deputados por falta de ética ou quebra do decoro. Monografia (Especialização em Política e Representação Parlamentar). Programa de Pós-Graduação do Centro de Formação, Treinamento e Aperfeiçoamento da Câmara dos Deputados/CEFOR. Câmara dos Deputados. Brasília, 2009. Acessado em 24/06/2016.
CORRÊA, Hélcio. As relações entre ética e política na concepção de justiça em AristótelesRevista CEJ, Brasília, vol. 15, n. 55, p. 76-85, out./dez. 2011. Acessado em 12/03/2016.
DEL VECCHIO, Giorgio. La justiciaTradução Luiz Rodriguez – Camuñas e Cézar Sancho. Madrid: Gongora, 1925.
DINIZ, Eli. Ética e PolíticaRevista de Economia Contemporânea, n. 5, p. 57-70, jan./jun. 1999. Acessado em 13/03/2016.
FERRAZ, Carlos Adriano. Elementos de ética. Pelotas: NEPFil online, 2014. Acessado em 18/03/2016.
FROTA, Getúlio Soares N. Implicações da quebra de ética e decoro parlamentar na 4ª e 5ª legislaturas da Câmara Legislativa do Distrito Federal. Monografia (Especialização em Política e Representação Parlamentar). Programa de Pós-Graduação do Centro de Formação, Treinamento e Aperfeiçoamento da Câmara dos Deputados/CEFOR. Câmara dos Deputados. Brasília, 2012. Acessado em 23/06/2016.
HIRSCHBERGER, Johannes. História da filosofia na antiguidadeSão Paulo: Herder, 1969.
MACINTYRE, Alasdair. Depois da virtude: um estudo em teoria moral. Tradução Jussara Simões. Bauru: EDUSC, 2001.
MAQUIAVEL. O príncipe. São Paulo: Nova Cultural, 1999. (edição disponível online)
MORRALL, John B. AristótelesBrasília: Universidade de Brasília, 1981.
NOGUEIRA, Rubem. Considerações acerca de um Código e Ética e Decoro ParlamentarRevista de informação legislativa, v. 30, n. 118, p. 349-358, abr./jun. 1993. Acessado em 23/06/2016.
PANSARELLI, Daniel. Para uma história da relação ética-políticaRevista Múltiplas Leituras, v.2, n.2, p. 9-24, jul. /dez. 2009. Acessado em 12/02/2016.
PLATÃO. A República. 7. ed. Trad. Maria Helena da Rocha Pereira. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1993. (edição disponível online)
SADEK, Maria T. Nicolau Maquiavel: o cidadão sem fortuna, o intelectual de virtù. In: WEFFORT, Francisco C. Os clássicos da política. 6.ed. São Paulo: Ática, 1995. vol. I.


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PODER E POLITICA

PODER E POLITICA


Em 2001 os Estados Unidos sofreram um grande ataque terrorista, executado por um grupo extremista islâmico. Os terroristas sequestraram quatro aviões de passageiros e os lançaram contra as Torres Gêmeas do World Trade Center e o Pentágono, matando quase 3 mil pessoas.  Em reação, o governo dos Estados Unidos instaurou a Guerra ao Terror, um conjunto de medidas para combater o terrorismo. Uma delas foi a invasão do Iraque, então governado por Saddam Hussein, sob a acusação de produzir armas químicas, financiar terroristas e governar de modo ditatorial.  
O discurso político norte-americano consistia em defender a democracia como um valor universal, afirmando que todos os países do mundo deveriam ter um governo democrático, pois isso é o melhor para todos.




“Companheiro Bush”, que faz referência ao comércio de armas entre os Estados Unidos e o Iraque. O episódio histórico e a crítica artística presente na canção nos colocam no cerne de um dos problemas humanos mais importantes: a vida em comum e as relações que travamos com nossos semelhantes, na administração dos interesses de uma comunidade.  
A esse universo os gregos deram o nome de política, pois estava relacionado àquela que para eles era a comunidade humana mais abrangente: a cidade (polis)
Em nossos dias, cada vez mais as pessoas pensam que a política é algo distante, que só diz respeito àqueles que se dedicam a ela profissionalmente, assumindo cargos públicos e participando da administração das cidades, estados e países. Muitas pessoas acreditam que os cidadãos comuns precisam apenas participar com o voto na época das eleições. Mas será mesmo assim? A filosofia nos fornece elementos para pensar na política de forma mais abrangente e nos m ostra que todos somos políticos, que todos agimos politicamente quando nos relacionamos com as pessoas com as quais convivemos.




PODER E AUTORIDADE

Para compreender a convivência e as relações entre os seres humanos, base de qualquer noção de política, um conceito chave é o de poder. Comecemos então pela pergunta: 
O que é o poder? 
Uma primeira definição é que o poder consiste na capacidade e oportunidade de impor ao outro sua própria vontade. é poderoso aquele que por alguma razão é o mais forte e pode mandar, dar ordens. Os que não são poderosos obedecem, submetem-se à vontade do poderoso. 
A noção de poder implica também a noção de autoridade: o poder é a capacidade de ter suas ordens obedecidas. Não podemos, entretanto, pensar que a ação do poderoso se dá unicamente no sentido de subjugar e neutralizar as vontades alheias. 
Embora em casos específicos a ação do poder só seja possível pela neutralização das demais vontades, de modo geral o poder age por meio da administração e organização das vontades alheias. Sua ação consiste em tomar o conjunto das vontades díspares e múltiplas e torná-lo uno – a vontade do poderoso, com a qual os demais concordam.
Qual seria a principal forma de ação do poder para conseguir administrar as vontades? A via de ação do poder é a catalisação. 
Tal como o catalisador numa reação química, o poder não determina a reação em si, não a cria do nada; dadas as condições para sua ocorrência, o poder, na condição de catalisador, facilita ou dificulta, apressa ou retarda o ritmo dos acontecimentos, de modo a privilegiar determinadas ocorrências e evitar outras. é com esse tipo de mecanismo que o poder administra as vontades em um dado grupo social, organizando-as em torno da vontade do governante.